Quem vive e vota em Oeiras é muitas vezes acusado de não se importar com a corrupção, elegendo sucessivamente um homem que já foi condenado e cumpriu pena de prisão efetiva por fuga ao fisco e branqueamento de capitais, e sobre quem os juízes do Tribunal da Relação escreveram: “O arguido não encontra nada de especial no facto de, ao longo de anos, ter fugido ao pagamento de impostos, e de, para o efeito, ter branqueado dinheiro. A ideia que fica é que o arguido, só não continuará a fazer o mesmo, se não puder.”
Ora, quando, em 2020, comecei a reunir-me com conhecidos e vizinhos de Oeiras para falarmos sobre o nosso concelho, uma das principais questões que nos uniu foi precisamente a questão da transparência e a necessidade de combater a corrupção e infrações conexas na política local. De sensibilidades políticas diversas, uns mais à esquerda, outros mais ao centro e outros à direita, mas sem filiação partidária, decidimos então avançar com um movimento de cidadãos que viria a contactar sete partidos políticos para formar uma coligação, tendo três (BE, Livre e Volt) aceitado criar a Coligação Evoluir Oeiras.
A corrupção é percecionada pelos portugueses como algo comum. Segundo os resultados do Eurobarómetro Especial divulgados no passado mês de julho, 93% da população em Portugal considera a corrupção uma prática generalizada no país, face a uma média de 70% da União Europeia, tendo o valor em Portugal registado uma subida de três pontos percentuais em relação ao registado no ano passado.
Sabemos que durante muitos anos houve alguma tolerância social em Portugal para com determinadas práticas de corrupção lato sensu, até pela forma banal como muita gente usa a cunha e o amiguismo no quotidiano, mas essa tolerância poderá estar a diminuir, e é muito positivo que diminua. Numa sondagem do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica sobre o estado do país e os principais problemas, divulgada em julho, os inquiridos colocaram no topo das preocupações o Governo, a inflação e o custo de vida e corrupção. Na sondagem ICS/ISCTE para o Expresso e para a SIC de junho, 87% dos inquiridos manifestam-se insatisfeitos com o combate à corrupção.
Mas, se estamos preocupados, e queremos combater a corrupção, não podemos aceitar como normais comportamentos que, na realidade, são lesivos para o bem comum. Um desses comportamentos é o uso de dinheiros públicos em benefício pessoal, quer para tirar vantagem política quer para satisfação de pequenos prazeres.
Muitas vezes, na atividade política, já me disseram: mas isso é perfeitamente normal. No entanto, o que é normal, no sentido de habitual, não quer dizer que seja legal, ou sequer que seja o correto do ponto de vista ético. Também tenho ouvido muito: "mas isso até é legal". Pois, mas a verdade é que também existe, na prática, corrupção que não está tipificada como crime, como o conflito de interesses e as chamadas "portas giratórias”, descritos pela Transparência Internacional Portugal no seu glossário anticorrupção transparencia.pt/glossario-anti-corrupcao/.
Em relação a almoços, é conhecida a expressão que “não os há grátis”, porque alguém os tem de pagar. Esta semana ficámos a saber que o fundo de maneio do presidente da Câmara Municipal de Oeiras é usado na sua maioria para refeições, muitas delas faustosas. Com convidados de outros países, embaixadores ou governantes? Nem sempre. Muitas vezes são mesmo almoçaradas de produtos de luxo entre os mais próximos do presidente. Com que justificação? Não se conhece.
Será ético uma vereadora de Oeiras ir almoçar com três diretoras da Câmara de Oeiras a um restaurante de luxo na Avenida da Liberdade, em Lisboa, à conta do orçamento municipal de Oeiras? Será ético, ou mesmo legal, usar o fundo de maneio do gabinete do presidente da Câmara que, segundo o regulamento, deverá ser usado para despesas imprevistas e inadiáveis, para mandar vir 1,8 kg de lavagante, 1kg de gambas e 1,5 kg de sapateira, ou para "refeições de trabalho" com a própria equipa, sem quaisquer convidados externos, em que se gastam valores avultados em marisco, champanhe e aguardentes e tabaco? Será ético, ou mesmo legal, haver várias faturas (num dos casos, quatro) de almoços em restaurantes diferentes em nome do mesmo autarca no mesmo dia?
Há realmente muitas perguntas que a investigação da revista “Sábado” suscita, e bem, e que até agora não foram respondidas, nem no comunicado assinado por Isaltino Morais nem nas declarações que proferiu na SIC.
Mas se fossem só os almoços que nos suscitam dúvidas, a situação seria bem menos grave. O facto é que na gestão do Executivo de Isaltino temos inúmeros exemplos cuja legalidade, e sobretudo cuja ética, é questionável. Do inacabado Sistema Automático de Transporte Urbano (SATU) ao igualmente parado Centro de Congressos, fruto de uma Parceria Público-Privada sob investigação; passando pelas contas e gestão da Municípia, Sociedade Anónima cuja maioria do capital é detida pelo Município de Oeiras; pela aprovação e publicação da alteração do Plano Diretor Municipal (PDM) de Oeiras sem prova do obrigatório consenso com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT); à construção do Parque dos Cisnes em Miraflores; e ao mais recente caso das torres do Espargal, após a venda do terreno municipal a um promotor imobiliário que definiu, numa carta de 24 de novembro de 2020 dirigida ao presidente da Câmara, dois meses antes da compra do terreno, o que queria e como queria fazer.
Na luta contra a corrupção é preciso o esforço e a determinação de todos. Desde logo, dos jornalistas, que têm um papel fundamental na democracia, sendo o jornalismo um dos seus pilares, pelo exercício que faz de controlo e fiscalização do poder, e a transmissão de informação com relevância e interesse público.
De todos os políticos e políticas, independentemente do campo ideológico, que não se revejam em práticas lesivas do interesse público e numa forma de fazer política opaca e autoritária. Dos funcionários públicos, nomeadamente das câmaras municipais, que se apercebam de irregularidades, negligência ou abusos na gestão do município e que ameacem o interesse público, a integridade, ou própria reputação da organização.
Mas também dos cidadãos, que devem exercer a sua cidadania de forma crítica, exigente e bem informada, nunca superficial ou justicialista. Fazer perguntas, nomeadamente por escrito, aos políticos eleitos, requerer documentos e escrutinar a ação dos governantes, e denunciar os factos suspeitos de que tenham conhecimento é um direito e também um dever.
Em 2021, André Corrêa de Almeida, da Universidade de Columbia, dava nota que "a corrupção é a principal causa do atraso no desenvolvimento e da prevalência de desigualdade económica e social em Portugal". O fundador da associação All4Integrity lembrava que a corrupção, segundo as estimativas, equivale entre 8% a 10% do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de 20 mil milhões de euros, o que em 2021 era 1,6 vezes mais do que o orçamento do Ministério de Saúde e 13 vezes mais do que o orçamento do Ministério da Justiça.
Em Oeiras, como no resto do país, não podemos permitir que nos enfiem goela abaixo o fado de que nada há a fazer, ou de que os políticos são todos iguais. Os cidadãos e cidadãs também são sujeitos políticos. Não podemos considerar normal que os recursos que são de todos, e são escassos, faltando tantas vezes para quem mais precisa, sejam usados abusivamente por alguns em proveito próprio ou do seu pequeno séquito. Mas, não basta indignar-nos, é preciso agir e ser coerente nas urnas com esse desígnio de transparência.