A Alemanha atualizou recentemente a sua estratégia para o hidrogénio, a qual irá assentar numa dependência da produção no estrangeiro. Ou seja, é uma estratégia que assenta na expectativa (ou incentivo) a que outros países ocupem o seu território com parques de energia eólica e solar, para produzir hidrogénio verde, com o objetivo de exportar um produto intermédio de valor relativamente baixo, permitindo à Alemanha continuar a produzir os seus produtos de alto valor.
Parece ser uma espécie de "colonialismo da cadeia de abastecimento". A Alemanha importa o produtos de menor valor para produzir produtos de valor acrescentado. Um exemplo gritante deste colonialismo está bem presente no investimento alemão num projecto de 10 mil milhões de dólares para produção de hidrogénio na Namíbia, um país onde a água é um bem escasso e no qual, de acordo com o WorldBank, apenas 56% da população tem acesso à eletricidade.
De acordo com os alemães, um fornecimento interno que cubra totalmente a procura não faz sentido económico nem serve os processos de transformação resultantes da transição energética como um todo, apontando como uma das razões o facto da Alemanha ser um país densamente povoado e não ter o espaço necessário para a energia eólica e fotovoltaica produzirem o hidrogénio.
Se apenas houvesse uma forma da Alemanha produzir eletriidade com uma pequena pegada de terra, capaz de apoiar a produção de hidrogénio verde (rosa)... A Alemanha tinha essa forma, a energia nuclear, mas decidiu começar a encerrar centrais em 2011 e concluíu o auto de fé com o encerramento das três últimas centrais, em abril de 2023.
Enquanto isso, em Portugal, o país oferece entusiasticamente espaço para energia eólica e fotovoltaica e até prevê a operação de 5,5 GW de eletrólizadores até 2030. Preocupados com ambiente, desmatação e impermeabilização dos solos, alguns dos novos parques solares estão a enfrentar forte oposição por parte da população. Além disso, em relação à produção de hidrogénio verde, algumas estimativas simples mostram que os eletrólisadores serão operados menos de 50% do tempo, sendo amplamente subutilizados, e podendo por isso não ser uma opção rentável, a menos que seja incorporado numa cadeia de valorização.
Mas será apenas a ocupação do território a preocupação da Alemanha? A transição energética alemã, o Energiewende, custou até ao momento 500 mil milhões de euros. E 500 mil milhões de euros depois, as projeções indicam que a Alemanha precisa de investir um milhão de milhões de euros mais. E, entretanto, as indústrias eletrointensivas alemãs têm um índice de produção de 80% em relação a 2015 e um quinto da indústria eletrointensiva alemã desapareceu! Os preços da eletricidade alemã aumentaram de tal modo que a indústria perdeu competitividade.
E não é só a indústria alemã. De acordo com um relatório da Agência Internacional de Energia (IEA), a competitividade da indústria europeia intensiva em energia está ameaçada pelos altos custos energéticos. Muitas indústrias intensivas em energia reduziram ou interromperam a produção em 2022. Entre os sectores intensivos em energia que reduziram significativamente a produção em 2022 devido a encerramentos de fábricas e restrições de produção estão o alumínio primário (-12%), aço bruto (-10%), papel (-6%) e produtos químicos (-5%).
A Alemanha estará certamente preocupada com o custo da transição energética, com o rude golpe da redução do gás russo barato e com a sua substituição pelo hidrogénio (espera-se que verde). O foco em indústrias específicas é interessante. A Alemanha está a procurar expandir a dependência do hidrogénio como fonte de energia futura para reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos sectores industriais altamente poluentes que não podem ser eletrificados, como o aço e produtos químicos.
Nesse sentido, alinha-se com a análise da IRENA publicada durante a cimeira das mudanças climáticas COP27 no Egito, "Accelerating hydrogen deployment in the G7", onde é referido que “apesar do grande potencial do hidrogénio, é preciso ter em mente que a sua produção, transporte e conversão requerem energia, bem como investimentos significativos. O uso indiscriminado de hidrogénio poderia, portanto, retardar a transição energética. Isso exige o estabelecimento de prioridades na formulação de políticas.”
A Alemanha está a preparar-se para este futuro. Como foi anunciado recentemente, após rever se está em conformidade com as regras de auxílio estatal da UE, a Comissão aprovou os planos da Alemanha de injetar 2 mil milhões de euros numa nova fábrica da Thyssenkrupp, que inicialmente será alimentada por gás natural mas que promete fazer a transição para a produção de aço totalmente a partir de hidrogénio verde até 2037.
Em maio, um think tank europeu, E3G, alertou que a produção de hidrogénio (e a exploração de lítio) em Portugal têm o potencial de resultar em ganhos económicos relevantes para o país. No entanto esses benefícios podem nunca se materializar, uma vez que o seu pleno potencial não está a ser totalmente aproveitado, pois a maioria dos projetos de hidrogénio (e lítio) visa exportar esses produtos de alta qualidade para regiões mais ricas do continente ou utilizá-los em atividades de baixo valor acrescentado, como a mistura de hidrogénio "verde" com gás fóssil (injeção na rede).
O hidrogénio verde até poderia alavancar novos segmentos industriais a nível nacional, considerados essenciais para o resto da Europa, tais como a produção de aço “verde” e a produção de eletrolisadores. No entanto, o foco da estratégia do hidrogénio almeja a que o país se torne num exportador de combustíveis renováveis para o resto da Europa.
O investimento português em renováveis, incluindo a produção offshore, estima-se que possa vir a exceder os 60 mil milhões de euros. Não entrando sequer na discussão da pertinência do investimento em offshore em detrimento de outras opções (e haveria muito para dizer), com um peso excessivo destes investimentos a serem colocados em atividades de menor valor acrescentado perde-se a oportunidade económica e a eventual vantagem competitiva. Como dizia Gary Lineker, embora num contexto diferente, “(...) e no fim, os alemães ganham sempre!”.