De resto, João Camargo inclui-se, num majestático plural, entre aqueles que, “por inação, sentem vergonha”.
Curioso, mas nada surpreendente no texto em causa, é a clara e única intenção do autor: acusar duas empresas de terem dado a mão ao Governo (entre 2017 e os dias de hoje, depreende-se) para que nada acontecesse de diferente nos territórios.
Entendamo-nos: não é minha preocupação defender o Governo, nem as duas empresas referidas, das acusações que o investigador em alterações climáticas lhes dirige, embora me pareça muito grave que tais acusações de conluio possam passar em claro sem serem provadas. Mas esse é um problema do investigador em alterações climáticas.
Movem-me duas preocupações com este pequeno texto. Por um lado, rebater uma enorme mentira que o investigador em alterações climáticas profere, ao acusar a Biond de aproveitar “uma área aprovada para plantar medronheiros” para plantar “90 hectares de eucaliptos” em Pedrógão Grande. O investigador em alterações climáticas sabe bem (e nós sabemos que sabe) que o que afirma é uma completa e absoluta mentira. Ao que contrário dele, a Biond e as indústrias suas associadas, não se incluem naqueles que, por inação, sentem vergonha.
Não maço mais o leitor com este assunto: o projeto ReNascer Pedrógão, desenvolvido em articulação com a Associação de Produtores Florestais da região e autorizado pelo ICNF e sempre acompanhado pela Associação das Vítimas dos incêndios, pode ser visitado por quem o queira. É uma de diversas ações que, no terreno, têm permitido que alguma coisa mude, a par com os cerca de 650 hectares de área ardida recuperada em Mortágua, e mais cerca de 55 mil hectares de área florestal de pequenos proprietários florestais cuja gestão de combustível é financeiramente apoiada pela Biond. Não, ao contrário de outros, à Biond não pesa qualquer vergonha por inação.
Move-se uma segunda preocupação: alertar para a ligeireza e a aparente (apenas aparente, certamente) ignorância com que o investigador em alterações climáticas aborda os assuntos da floresta. Passo por cima dos lugares-comuns sobre os eucaliptos que, a um investigador em alterações climáticas, não assentam bem. Tão pouco me socorro das estatísticas sobre incêndios florestais e da relação que é possível estabelecer entre a área ardida e as suas diversas causas. Para um investigador em alterações climáticas, deve ser simples aceder a tão prosaica informação. Desconhecer a anatomia e a fisiologia de uma das espécies florestais mais investigadas e estudadas em Portugal é que me parece imperdoável. Não inesperado, mas imperdoável.
O resto, a linguagem rasteira e as acusações gratuitas à extraordinária coligação entre as celuloses-Governo-Academia que pretendem conduzir o país para o deserto, a par com o desrespeito pelas gentes de Pedrógão patentes no texto que motivou este meu breve escrito, ficam com quem as escreveu. E ficam, certamente, muito bem entregues.
Ex-diretor-geral da (atualmente) Biond – Associação das Bioindústrias de Base Florestal, entre abril de 2021 e março de 2023