Opinião

O legado de cinzas que alguns teimam em deixar: seis anos de Pedrógão Grande

Escrevo este texto depois de ter lido, com interesse, mas sem surpresa, o texto de João Camargo publicado na edição on-line do Expresso de dia 16 de junho. Numa coisa estou de acordo com o investigador em alterações climáticas João Camargo: seis anos depois do fatídico verão de 2017, a situação que se vive na maior parte dos territórios é, em grande medida, mais grave do que há seis anos

Francisco Gomes da Silva, professor do Instituto Superior de Agronomia

De resto, João Camargo inclui-se, num majestático plural, entre aqueles que, “por inação, sentem vergonha”.

Curioso, mas nada surpreendente no texto em causa, é a clara e única intenção do autor: acusar duas empresas de terem dado a mão ao Governo (entre 2017 e os dias de hoje, depreende-se) para que nada acontecesse de diferente nos territórios.

Entendamo-nos: não é minha preocupação defender o Governo, nem as duas empresas referidas, das acusações que o investigador em alterações climáticas lhes dirige, embora me pareça muito grave que tais acusações de conluio possam passar em claro sem serem provadas. Mas esse é um problema do investigador em alterações climáticas.

Movem-me duas preocupações com este pequeno texto. Por um lado, rebater uma enorme mentira que o investigador em alterações climáticas profere, ao acusar a Biond de aproveitar “uma área aprovada para plantar medronheiros” para plantar “90 hectares de eucaliptos” em Pedrógão Grande. O investigador em alterações climáticas sabe bem (e nós sabemos que sabe) que o que afirma é uma completa e absoluta mentira. Ao que contrário dele, a Biond e as indústrias suas associadas, não se incluem naqueles que, por inação, sentem vergonha.

Não maço mais o leitor com este assunto: o projeto ReNascer Pedrógão, desenvolvido em articulação com a Associação de Produtores Florestais da região e autorizado pelo ICNF e sempre acompanhado pela Associação das Vítimas dos incêndios, pode ser visitado por quem o queira. É uma de diversas ações que, no terreno, têm permitido que alguma coisa mude, a par com os cerca de 650 hectares de área ardida recuperada em Mortágua, e mais cerca de 55 mil hectares de área florestal de pequenos proprietários florestais cuja gestão de combustível é financeiramente apoiada pela Biond. Não, ao contrário de outros, à Biond não pesa qualquer vergonha por inação.

Move-se uma segunda preocupação: alertar para a ligeireza e a aparente (apenas aparente, certamente) ignorância com que o investigador em alterações climáticas aborda os assuntos da floresta. Passo por cima dos lugares-comuns sobre os eucaliptos que, a um investigador em alterações climáticas, não assentam bem. Tão pouco me socorro das estatísticas sobre incêndios florestais e da relação que é possível estabelecer entre a área ardida e as suas diversas causas. Para um investigador em alterações climáticas, deve ser simples aceder a tão prosaica informação. Desconhecer a anatomia e a fisiologia de uma das espécies florestais mais investigadas e estudadas em Portugal é que me parece imperdoável. Não inesperado, mas imperdoável.

O resto, a linguagem rasteira e as acusações gratuitas à extraordinária coligação entre as celuloses-Governo-Academia que pretendem conduzir o país para o deserto, a par com o desrespeito pelas gentes de Pedrógão patentes no texto que motivou este meu breve escrito, ficam com quem as escreveu. E ficam, certamente, muito bem entregues.

Ex-diretor-geral da (atualmente) Biond – Associação das Bioindústrias de Base Florestal, entre abril de 2021 e março de 2023