Há dias, houve um título que me deu o clique. Foi no jornal “Globo” e dizia: “‘Gladis’, a baleia assassina e sua gangue de orcas, em busca de vingança contra os iates de Gibraltar.” O título é bom, mas contém incorreções. “Gladis” não é só uma orca, mas umas 15 (aliás, uma orca não é assassina nem sequer é da família das baleias, mas dos golfinhos), e não estará em busca de “vingança”. É verdade que há um grupo de orcas que deambula nesse território, entre a costa da Galiza e Gibraltar, com um comportamento único — que fez com que três veleiros se afundassem ao largo de Portugal. Mas falar de “vingança” é ousado. Ou melhor: errado.
Não tenho nada contra a vingança. Dá bons filmes de ação de Hollywood, daqueles em que o agente secreto reformado tem a sua família massacrada e vai buscar as armas escondidas (e rolos de notas e passaportes) que jurara nunca mais usar. Mas mesmo assim, guardara. Atualmente, o John Wick despacha metade da máfia eslava nos EUA porque lhe mataram o cão. Da minha meninice, lembro o Conde de Monte Cristo, uma das mais belas vinganças que se imaginaram. De Hamlet à última novela da Globo, a vingança está sempre presente como motor da ficção. E o mesmo se aplica à realidade. Não me considero um tipo vingativo, porque tal exige uma dedicação muito grande. É por isso que o provérbio japonês — mal interpretado — diz que um homem que procura vingança deve abrir duas covas. A segunda é a dele, porque não terá outra vida. Segundo vemos na infindável sabedoria dos filmes americanos, só em comunidades fechadas como as prisões é que esse código moral persiste. E nas aldeias, ainda há algum crime de honra. A grande metrópole permite que se perca a face e se permaneça cidadão de pleno direito. Num estudo qualquer efetuado por antropólogos, constatou-se que a vingança está presente em quase 50 sociedades, mas também o perdão. Todo o ser humano está neurologicamente preparado para desejar vingança e ter prazer com isso. Pode não o fazer por cobardia, falta de tempo, pouca memória, ou não estar para isso. E há uma vantagem evolucionária nisso, ligada ao poder. O mais vingativo tinha a capacidade de, perante os outros (a audiência é fundamental), mostrar as consequências para quem o desafiasse. Assim sendo, temos o gangue de “Gladis” a vingar-se na nossa costa?
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