Opinião

Igualdade de género: uma estrada longa mas necessária

Esta quarta-feira assinala-se o Dia Internacional da Mulher, um lembrete do tanto que ainda é imperativo assegurar, incluindo em Portugal que, no ano passado, ocupava o 15.º lugar no ranking do Instituto Europeu da Igualdade de Género com uma pontuação geral ainda abaixo da média europeia

Há muito a escrever sobre e fazer pela igualdade de género. Sublinhe-se a palavra “igualdade”, substantivo ironicamente feminino que define a qualidade de igual, a relação entre pessoas iguais ou uma organização social em que não há privilégio de classes - ou de género. São demasiadas as vezes em que o discurso público em torno desta questão parece perder o fio à meada quanto a esta noção básica: a luta pela igualdade de género visa apenas eliminar diferenças reais, substantivas e absolutamente injustificáveis. Nem mais, nem menos. Em casa, no trabalho, na saúde, na educação, na economia, na participação cívica e política. Podem existir divergências de opinião quanto aos métodos utilizados para eliminar essas diferenças, mas o objetivo final é, e será sempre, incontestável.

É também frequente o equívoco quanto às razões subjacentes à desigualdade de género. Esta advém efetivamente de uma desigualdade no acesso a oportunidades, sejam elas de natureza educativa, profissional, decisória ou financeira. Contudo, uma parte fundamental do problema é a falha generalizada na recolha, análise e utilização de dados relativos às mulheres, em particular às suas necessidades e experiências nas mais variadas áreas da sociedade. No seu livro “Invisible Women”, publicado em 2019, a autora Carolina Criado-Perez explica detalhadamente este fenómeno a que se refere como “gender data gap”. Desde o transporte e uso de utilidades públicas aos cuidados de saúde e produtos farmacêuticos, a falta de uma abordagem sistémica na elaboração de políticas públicas baseadas em informação de género que as oriente e justifique prova como a desigualdade é um ciclo vicioso que resulta de uma acumulação de fatores que se agravam entre si, algo que dificilmente mudará enquanto continuarmos a utilizar sempre o masculino como padrão - até na linguagem!

Um exemplo concreto exposto no livro citado é o da mobilidade. Estatisticamente (note-se novamente a importância e caráter iluminador dos dados), as mulheres tendem mais a andar a pé ou a utilizar transportes públicos, enquanto os homens tendem mais a utilizar o carro. Para além disto, os homens tendem a ter um padrão de mobilidade mais simples e binário entre o trabalho e casa, enquanto as mulheres tendem a deslocar-se mais vezes ao dia - muito por força do seu papel frequente de cuidadoras ou no quotidiano doméstico (levar crianças à escola, ir ao supermercado, etc.). Porém, o que se vê em países em que é preciso uma limpeza diária de neve de forma a possibilitar deslocações é que os horários de limpeza, supostamente neutros, privilegiam a limpeza das estradas em detrimento das vias públicas pedonais, ignorando constatações como a deslocação mais frequente das mulheres, bem como a forma como se deslocam.

Outro erro importante que se deve apontar neste contexto - e que afeta homens e mulheres de igual forma, caso este pequeno detalhe ajude a levá-lo mais a sério mais rapidamente - é negligenciar a consideração do trabalho doméstico não remunerado de milhões de mulheres, pois tal afeta a economia no seu todo e igualmente, claro está, a taxa de sucesso de quaisquer reformas que procurem melhorar a vida das mesmas. Isto precisamente por não ser tomada em conta a quantidade de trabalho informal e adicional que tantas acarretam e que constitui um obstáculo ao aproveitamento de diferentes possibilidades formativas, sociais, etc.

Em Portugal, está em curso uma revisão da base de dados de género do Sistema Estatístico Nacional sobre Igualdade de Género cujo objetivo é disponibilizar uma versão atualizada e melhorada no portal do Instituto Nacional de Estatística, “incluindo uma plataforma para mapear dados relevantes do ponto de vista da igualdade de género”. De acordo com a análise do Instituto Europeu da Igualdade de Género em 2022, Portugal tem um bom desempenho no domínio laboral e de poder político, mas apresenta necessidades significativas de melhoria na área da saúde (assinalada como ponto de retrocesso desde 2019) e nas atividades sociais e de cuidado. Desde 2019, houve ainda melhorias quanto à situação económica e recursos financeiros das mulheres. Todos os anos é possível consultar o desempenho do país no contexto europeu e, como se tem vindo a substanciar, os números - e a perspetiva - importam e revelam bastante.

Por fim, uma nota sobre o papel que os homens podem e devem ter nesta conversa e nesta luta. É fácil dizer-se feminista quando as mulheres não são verdadeiramente competição, ou, melhor escrevendo, não conseguem estar em pé de igualdade para competir numa cultura onde a mentalidade “old boys’ club” ainda está viva, pese embora não se recomende. Nós não precisamos de palavras de encorajamento ou apoio moral. Precisamos, sim, que decisores políticos e económicos traduzam as suas palavras e moralidade em medidas concretas que assegurem igualdade no acesso, na formação, na remuneração, na participação e até mesmo na longevidade (sabia, por exemplo, que os sintomas de um ataque cardíaco são diferentes entre homens e mulheres?). Precisamos que os decisores editoriais publiquem mais mulheres, não por uma questão de número mas de voz e de perspetiva; precisamos que os educadores orientem as suas alunas de igual forma para as áreas das ciências, matemática, engenharia ou tecnologia; precisamos que os designers tenham em conta diferenças físicas quando determinam o tamanho e outras caraterísticas de produtos como os telemóveis ou os cintos de segurança; e precisamos que os nossos estilistas e modistas pensem duas vezes nas mensagens subliminares que colocam à disposição dos seus consumidores, em particular os mais jovens, quando, por exemplo, estampam em algumas t-shirts “Futuro astronauta” e noutras estampam “Pequena princesa”.

Precisamos, no fundo, que se deixem de tretas, que arregacem as mangas e que nos ajudem realmente a limpar toda a neve metafórica numa estrada já de si indevidamente longa que todas nós ainda temos de percorrer para que, talvez, um dia (embora as previsões estatísticas aqui também não sejam animadoras), as nossas netas possam dizer-se verdadeiramente iguais em relação aos seus contemporâneos masculinos.

*As opiniões expressas neste artigo são estritamente pessoais e não representam as posições do Parlamento Europeu ou do grupo S&D