Opinião

Fortaleza Europa, fraqueza europeia

A crise migratória na Europa não começou nem acabou em 2015. Pelo contrário, hoje, vivemos uma nova crise migratória no continente. Para desafios europeus, têm sido avançadas soluções nacionais. Contudo, os últimos anos demonstraram a inconsequência destas políticas não-comuns. A UE precisa de soluções solidárias e estruturais – comuns. Os muros, em torno da Fortaleza Europa, são precisamente o contrário disso

Todos os conflitos têm os seus efeitos secundários. A guerra na Ucrânia não é exceção. Passámos a menorizar outros cenários de guerra (Afeganistão, Iraque ou Síria), as regiões vizinhas ‘em desenvolvimento’ (Balcãs ou Norte de África) e as alterações climáticas (regresso às energias poluentes). A juntar a isso, o diálogo e a cooperação internacional perderam vigor. Consequência (i)mediata? - Mais migrações internacionais. Aliás, um novo pico.

Não nos iludamos, vivemos uma nova crise migratória que vai além dos refugiados da Ucrânia. No ano passado, a UE registou o maior número de entradas de migrantes não autorizados desde 2016 – essencialmente, afegãos, bengaleses, egípcios, sírios e tunisinos. Seria de esperar que, passado tanto tempo, a União tivesse uma política coerente e assertiva que, por um lado, não deixasse milhares de migrantes e refugiados morrer (cerca de 29 000[!], desde 2014) e que, por outro lado, não se cingisse a uma política de porta aberta, desregrada e ingénua.

Podia-se, por exemplo, proceder à revisão do Sistema de Dublin, à aprovação do Pacto da UE sobre Migração e Asilo (em discussão há dois anos e meio) ou garantir mais recursos à Frontex. Se este plano não fosse do agrado, podia-se ainda pensar em i) combater as redes de tráfico humano; ii) controlar os fluxos migratórios irregulares nos países de origem e trânsito; iii) avançar com uma visão comum e consistente para a política de retornos; iv) criar canais seguros para a migração, em consonância com a lei internacional; e v) aumentar as oportunidades para a migração legal numa Europa envelhecida.

Nada disso. Está em voga, novamente, a ideia de fortaleza Europa. O epíteto não é original, mas é atual, muito atual. Nas últimas semanas, Áustria e Hungria têm insistido na ideia, avançada pelo presidente do Conselho Europeu em 2021, de financiamento de barreiras fronteiriças com fundos europeus – uma linha vermelha da União nos últimos anos. No entanto, os muros vêm nascendo. Na última década, esta nova Europa de estilo trumpiano erigiu cerca de 1 800kms de muros e vedações no perímetro da UE. Para ter uma noção, a costa continental portuguesa tem 1 230kms. Muros na Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Macedónia do Norte, Polónia, Sérvia ou Turquia com custos bilionários em betão, arame farpado, cercas elétricas, câmaras, sensores de calor, drones, veículos armados e segurança.

Esta fortaleza Europa é o maior elogio à fraqueza europeia. É também um desafio ao próprio modo de vida europeu, baseado na livre circulação (recorde-se o recente veto à entrada da Roménia e Bulgária no espaço Schengen). É um regresso à mentalidade de 2015, quando alguns Estados-membros afirmaram que só receberiam migrantes ou refugiados cristãos. Aproxima-se de um discurso que, atualmente, ouvimos em Portugal quando líderes políticos se mostram abertos a receber imigração preferencialmente trabalhadora, qualificada e compatível com os costumes nacionais.

Nas últimas décadas, a Europa, tipicamente um continente de emigração, tornou-se num espaço de imigração e migração global. O nó da questão? – A imigração é controlável com as políticas de ontem, mas a migração global não, como Umberto Eco nos alertou no final do século na obra Cinco escritos morais. Por isso, a ideia de uma migração que respeite os critérios do prêt-à-porter não é credível nem séria. São necessários mecanismos criativos, solidários e legais. Tudo para o bem de uma Europa sem necessidade de se afirmar fortaleza, para o bem de todos.