Todos os conflitos têm os seus efeitos secundários. A guerra na Ucrânia não é exceção. Passámos a menorizar outros cenários de guerra (Afeganistão, Iraque ou Síria), as regiões vizinhas ‘em desenvolvimento’ (Balcãs ou Norte de África) e as alterações climáticas (regresso às energias poluentes). A juntar a isso, o diálogo e a cooperação internacional perderam vigor. Consequência (i)mediata? - Mais migrações internacionais. Aliás, um novo pico.
Não nos iludamos, vivemos uma nova crise migratória que vai além dos refugiados da Ucrânia. No ano passado, a UE registou o maior número de entradas de migrantes não autorizados desde 2016 – essencialmente, afegãos, bengaleses, egípcios, sírios e tunisinos. Seria de esperar que, passado tanto tempo, a União tivesse uma política coerente e assertiva que, por um lado, não deixasse milhares de migrantes e refugiados morrer (cerca de 29 000[!], desde 2014) e que, por outro lado, não se cingisse a uma política de porta aberta, desregrada e ingénua.
Podia-se, por exemplo, proceder à revisão do Sistema de Dublin, à aprovação do Pacto da UE sobre Migração e Asilo (em discussão há dois anos e meio) ou garantir mais recursos à Frontex. Se este plano não fosse do agrado, podia-se ainda pensar em i) combater as redes de tráfico humano; ii) controlar os fluxos migratórios irregulares nos países de origem e trânsito; iii) avançar com uma visão comum e consistente para a política de retornos; iv) criar canais seguros para a migração, em consonância com a lei internacional; e v) aumentar as oportunidades para a migração legal numa Europa envelhecida.
Nada disso. Está em voga, novamente, a ideia de fortaleza Europa. O epíteto não é original, mas é atual, muito atual. Nas últimas semanas, Áustria e Hungria têm insistido na ideia, avançada pelo presidente do Conselho Europeu em 2021, de financiamento de barreiras fronteiriças com fundos europeus – uma linha vermelha da União nos últimos anos. No entanto, os muros vêm nascendo. Na última década, esta nova Europa de estilo trumpiano erigiu cerca de 1 800kms de muros e vedações no perímetro da UE. Para ter uma noção, a costa continental portuguesa tem 1 230kms. Muros na Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Macedónia do Norte, Polónia, Sérvia ou Turquia com custos bilionários em betão, arame farpado, cercas elétricas, câmaras, sensores de calor, drones, veículos armados e segurança.
Esta fortaleza Europa é o maior elogio à fraqueza europeia. É também um desafio ao próprio modo de vida europeu, baseado na livre circulação (recorde-se o recente veto à entrada da Roménia e Bulgária no espaço Schengen). É um regresso à mentalidade de 2015, quando alguns Estados-membros afirmaram que só receberiam migrantes ou refugiados cristãos. Aproxima-se de um discurso que, atualmente, ouvimos em Portugal quando líderes políticos se mostram abertos a receber imigração preferencialmente trabalhadora, qualificada e compatível com os costumes nacionais.
Nas últimas décadas, a Europa, tipicamente um continente de emigração, tornou-se num espaço de imigração e migração global. O nó da questão? – A imigração é controlável com as políticas de ontem, mas a migração global não, como Umberto Eco nos alertou no final do século na obra Cinco escritos morais. Por isso, a ideia de uma migração que respeite os critérios do prêt-à-porter não é credível nem séria. São necessários mecanismos criativos, solidários e legais. Tudo para o bem de uma Europa sem necessidade de se afirmar fortaleza, para o bem de todos.