Opinião

Lições europeias de um ano de guerra

As fragilidades da segurança europeia, a dependência dos Estados Unidos, a diferença entre interesse europeu e interesses do eixo franco-alemão, a conquista de poder pela Comissão Europeia e o fantasma da China. O que aprendemos este ano

A guerra da Ucrânia ensinou-nos muito sobre a Europa e a União Europeia. Tomemos nota.

Os Estados Unidos sabiam do que estavam a falar. Joe Biden passou meses a avisar que a Rússia ia invadir a Ucrânia. Grande parte da Europa ignorou e duvidou. Quando a guerra começou, o chefe dos serviços secretos alemães estava em Kiev e teve de sair à pressa. Não é sinal de grande inteligência.

Putin negou a invasão e uma quantidade de gente, sobretudo na Europa mas também nos Estados Unidos, acreditou em Moscovo. Na maior parte dos casos, os que primeiro disseram que a Rússia não queria nem tinha interesse em invadir são os mesmos que mais tarde teorizaram sobre a inevitabilidade da guerra por causa da provocação ocidental. Não é um problema de análise, é uma escolha de lados.

A Rússia é uma ameaça. Em 2004, quando aderiram à União Europeia, vários países do ex-bloco de Leste avisaram que a Rússia, mesmo não sendo União Soviética, continuava a ser uma ameaça. Os seus avisos foram ignorados. Viviam obcecados com a Guerra Fria tinha, disseram-lhes. O tempo provou a sua razão.

A nossa defesa é da nossa responsabilidade. Com a guerra aprendemos que teremos de assumir maior responsabilidade pela nossa segurança e defesa. Investir mais, como os alemães rapidamente anunciaram.

A falta que a NATO e os americanos fazem. A defesa da Ucrânia é parte da segurança da Europa. E só é possível por causa do empenho americano. Qualquer evolução no pilar europeu de segurança e defesa terá de ser no âmbito da NATO, e com os americanos. Mesmo que com maior empenho europeu.

França e Alemanha não são a Europa. A segurança e os interesses fundamentais da Polónia, dos bálticos, nos nórdicos, não são garantidos pelas opções de França e Alemanha. Os interesses nacionais do eixo franco-alemão são legítimos, mas não se confundem com o interesse europeu. Ao fim destes meses, é evidente que a Norte e a Leste ninguém se sentirá seguro se depender sobretudo da defesa

garantida por alemães e franceses. Foi uma oportunidade perdida. Ou melhor, não era uma possibilidade e isso ficou evidente.

A Europa não se decreta, mas sente-se. A reacção generalizada dos europeus foi de compreensão da agressão russa como uma ameaça comum. Não há uma diferença fundamental entre quem está mais perto ou mais longe da fronteira com a Ucrânia. Putin fez mais pela ideia de Europa do que dezenas de discursos, publicidade e propaganda.

Há semelhanças e proximidades entre a extrema direita e a extrema esquerda. De um lado, admira-se o discurso de Putin sobre a decadência ocidental. Do outro, acompanha-se o ódio à América. No fundo, ambos detestam o Ocidente e as suas liberdades.

A Europa tem um enorme poder de atração. O ataque russo à Ucrânia não começou em Fevereiro passado. Começou em 2004, quando a Ucrânia iniciou a sua aproximação à União Europeia. O que mostra duas coisas. Por um lado, muito mais do que armas da NATO, que não estavam nem perto de ali chegar, o que Moscovo não tolera é a existência de exemplos de liberdade e democracia à sua volta. O medo de contágio é óbvio. Por outro, desta vez a União Europeia foi mesmo inspiradora. A luta dos países de Leste – como se dizia então – pela liberdade e contra o comunismo era evidentemente inspirada pelas ideias e liberdades ocidentais. Mas era uma coisa difusa, um desejo genérico de democracia e liberdade, e de prosperidade, que havia do lado de cá. A importância que a Ucrânia dá ao seu destino europeu é diferente. É um modo de vida e uma construção política a que aspira. Esse soft power europeu existe e pode ser utilizado a seu favor. (Mas, para evitar equívocos, não esquecemos que nem tudo se resolve com soft power e sem guerra.)

Por trás desta guerra há outra que se antevê. Seja por temer que a China faça o mesmo a Taiwan, seja por rever na dependência da Rússia os riscos da dependência (tanto nas importações como, mais grave, nas exportações) da China. Isso está a inspirar muitas das políticas que se estão a desenhar, de reindustrialização, de revisão da globalização, de segurança e defesa. Infelizmente, em competição com os Estados Unidos. O que é mais um problema, particularmente dispensável nestas circunstâncias.

A falta que o Reino Unido faz. Se Londres estivesse na União Europeia, a lentidão alemã e a inconstância francesa teriam sido melhor compensadas. E o papel da União Europeia poderia ter dependido menos de Bruxelas e mais do Conselho.

A diferença que uma liderança política faz. Tal como aconteceu com a pandemia e com a criação do programa financeiro que se lhe seguiu, Úrsula Von der Leyen aproveitou a oportunidade e o espaço deixado vazio pelos líderes nacionais, em particular Macron e Scholz, para reforçar a relevância e o poder da Comissão Europeia. Sem mexer numa linha dos Tratados, o Berlaymont (sede da Comissão

Europeia) tornou-se o centro da resposta europeia à guerra. Com um enorme apoio no Parlamento Europeu.

Há lideranças que não servem para nada. A menos que se venha a descobrir que nos bastidores teve um papel importantíssimo, Charles Michel perdeu uma oportunidade de liderar. Mas, sobretudo, perdeu a oportunidade de mostrar quando é que o Conselho, e em especial o seu presidente, pode ser o centro do poder da União Europeia. Não foi. Provavelmente não será.