Para os chineses, estes são dias de limpeza da casa e de compras, em preparação para o início do Ano do Coelho, a 22 de janeiro, seguindo uma série de rituais que se prolongam durante duas semanas até ao Festival das Lanternas, com os fogos de artifício a encerrar as festividades.
Na noite do réveillon chinês, sábado, 21 de janeiro, enfeitam-se as casas com decorações vermelhas e douradas, janta-se com a família, entrega-se às crianças envelopes vermelhos com dinheiro e fica-se acordado até tarde. No primeiro dia do novo ano - que em 2023 é regido pelo signo da sorte, da paciência e da gentileza - é lançado fogo de artifício e fazem-se oferendas aos antepassados.
Mas para que serve esta breve viagem à tradição chinesa? É que muito antes de tudo isto acontecer já as marcas de luxo têm à venda uma infinidade de coleções cápsulas e de edições limitadas que celebram o ano do Coelho e capitalizam o ‘Natal chinês’, a festa mais importante do calendário chinês. E este ano, em particular, ainda é mais importante.
2023 é o primeiro ano desde 2020 em que o Novo Ano Chinês é celebrado sem limitações. Por outro lado, as marcas de luxo ainda sofrem com o arraso nas vendas na China, devido às quarentenas e confinamentos, que só começaram a ser levantados em dezembro. Ah, sem esquecer que a China tem sido a maior responsável pelo crescimento do consumo de luxo e que em 2025 será o maior mercado mundial de luxo, segundo a Bain&Company.
A alta relojoaria é o segmento que, historicamente, é um dos primeiros a posicionar-se, quando há cerca de 15 anos começa a produzir relógios do zodíaco para o mercado chinês, muito direcionados para colecionadores. Cada vez mais visíveis são as edições de vestuário e de acessórios, dominados pelo vermelho e pelo animal do signo do ano, para apelar ao consumidor local. O lado mais delicado deste caminho é o crescente alargamento da celebração a marcas e produtos que pouco ou nada têm a ver com a cultura chinesa e com abordagens que a desrespeitam ou ofendem.
Os últimos anos têm sido particularmente delicados nesta matéria, desde 2018, quando a D&G é acusada de racismo por lançar uma campanha com uma modelo a tentar comer pasta e pizza com pauzinhos. Os anúncios em causa serviam para promover o desfile da marca italiana em Xangai, que a D&G é forçada a cancelar na sequência dos apelos ao boicote à marca na China.
Até à data, não são conhecidas polémicas deste género em torno do Novo Ano Chinês. Talvez porque as marcas de luxo estrangeiras estejam cada vez mais cautelosas, procurando iniciativas que demonstrem um compromisso autêntico e local. O desafio é ir além das campanhas publicitárias e dos produtos que se colam às tradições locais.
A Burberry faz o ‘dois em um’ com um anúncio e uma coleção especial e associa-se a artistas e criativos locais. A campanha, protagonizada pelos atores Qi Xi e Shi Pengyuan, e a atleta Zhao Lina, celebra a coragem para dar um salto para o desconhecido, incentivando a autoconfiança, a paixão e a criatividade. A roupa e os acessórios apresentam o monograma TB (Thomas Burberry) reinventado com orelhas de coelho, que é transversal a todas as criações da coleção, com versões inspiradas em desenhos animados.
A ligação do imaginário da infância ao signo deste ano é também o território de outras marcas, com coleções cápsula com a Miffy (Mulberry), Oswald The Lucky Rabbit (Givenchy) e Roger Rabbit (Moncler), por exemplo. O coelho na versão divertida é igualmente ponto assente na relojoaria, apesar dos receios de que o interesse nos relógios do zodíaco esteja a diminuir. Um relatório da agência GMA, referente aos relógios de luxo na China, indica que apenas 24% dos consumidores com este perfil apreciam ter um relógio com o animal do signo do ano.
Isto apesar de 42% reconhecerem que gostam de peças com símbolos de sorte. A questão é que os chineses preferem cada vez mais um design intemporal, optando por investir em produtos únicos que não se repitam de 12 em 12 anos, como os animais do zodíaco.
A Piaget mantém-se fiel desde 2012, quando começa a homenagear o Novo Ano Chinês. A nova edição limitada Altiplano é composta por 38 relógios com dois coelhos esmaltados numa caixa de 38 mm em ouro branco, com 78 diamantes e correia em pele de jacaré preta. Até a Breguet, casa de alta-joalharia mais formal, sucumbe à versão ‘fofinha’ do coelho no modelo Classique 9075. Com o mostrador esmaltado a azul, caixa de 33,5 milímetros em ouro branco e 88 diamantes, o Classique 9075 apresenta seis coelhos em torno de motivos tradicionais chineses, que retratam folhagens de bambu e flores.
O número 88, que traz fortuna e boa sorte na cultura chinesa, é outra das referências locais. A Chopard explora-o nos dois modelos dedicados ao ano chinês, ambos em edição limitada a 88 unidades. O L.U.C XP Urushi Year of the Rabbit tem caixa de 39,5 mm em ouro ético rosa, mostrador em laca Urushi, pó de ouro e madrepérola, e retrata o coelho e a sua relação com a lua. No caso do modelo Happy Sport Year of The Rabbit, a Chopard soma ao desenho do coelho a cor mais popular na China, o vermelho, que está presente no mostrador e na pulseira em couro, representando felicidade e prosperidade.
Se depender da quantidade de artigos com coelhos, 2023 será o ano com mais oportunidades e prosperidade de sempre. É que o coelho, o quarto signo do ciclo de 12 anos, é o animal mais sortudo do zodíaco chinês. Nem os artigos para casa escapam à ‘febre’ do coelho. A Loewe assinala com velas perfumadas o Novo Ano Lunar, que também é celebrado em outras partes da Ásia, como na Coreia e Vietname e, um mês depois, no Tibete e na Mongólia, por exemplo. As três velas são inspiradas no formato da carteira Bunny Bag da Loewe e têm notas de chocolate branco, arroz, caramelo, baunilha e natas. Estão disponíveis em três cores (Peach Bloom, Dark Yellow e Light Grey) e cada uma delas significa boa sorte no novo ano.
Sorte e abundância é o apelo da coleção cápsula da Gucci para o Novo Ano Chinês, com pronto a vestir, calçado e acessórios, que se distinguem pelas cores vibrantes, padrões com coelhos e grafittis. O ‘estilo Gucci’ de misturar referências estéticas e culturais está refletido, por exemplo, nos relógios, nas almofadas em seda, nos óculos de sol, nos bonés e nas meias. Para os chineses, porém, a aversão à pratica de apropriação cultural tem menos a ver com a estética dos artigos e mais a ver com a insensibilidade e ignorância em relação à cultura local.
É esta sensação de falta de respeito e de preconceito que leva os chineses a insurgirem-se contra a campanha da D&G em 2018. Mais recentemente, é a acusação de apropriação cultural que coloca os holofotes na coleção Inverno 2022 da Dior, que inclui um modelo de saia que remonta às dinastias chinesas Song e Ming. O problema, pelos vistos, não é o que se faz como se faz, tendo em conta o sucesso na China de artigos de marcas de luxo que integram a cultura chinesa, em particular junto dos consumidores jovens .
O ponto de partida da apreciação é o conhecimento. Nesta matéria, em Portugal, a Fundação Oriente, em Lisboa, faz o seu papel, com um programação diversificada e dedicada às tradições do Novo Ano Chinês, até 5 de fevereiro. Sexta-feira, 20 de janeiro, há uma visita orientada às exposições em torno da temática do novo ano lunar, à qual se seguem dois workshops no sábado: ‘Jianzhi - Recortes de Papel Chineses’, arte milenar essencial nas decorações das casas durante esta festividade, para atrair sorte e prosperidade, e ‘Dumpling’, iguaria muito consumida durante esta época.
É pela cultura e sabores que o JnCQuoi Asia, em Lisboa, celebra até domingo, 22 de janeiro, o Ano do Coelho, com um menu especial ao almoço e ao jantar e animação (só ao jantar). A dança do leão e música tradicional chinesa, bem como uma performista trajada de imperatriz a circular pelo restaurante são alguns dos momentos programados. Fazem parte do menu, por exemplo, o robalo a vapor com molho de pasta de soja amarela e a alface chinesa salteada, inhame, abóbora e raiz de lótus crocante e bao a vapor com batata-doce e creme de ovo, como sobremesa.
Não é simples a linha que distingue a apropriação da apreciação culinária, artística ou estética. Que se saiba cruzar as nuances culturais de forma genuína e respeitadora. O zodíaco chinês prevê que 2023 é o ano da esperança.