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Opinião

Amanhecer

Deus está na manhã. Ela é misteriosa e ampla por isso. Exibe a sua bondade. Destapa o seu sorriso

A melhor herança que deixaremos uns aos outros é o amanhecer. Não são os feitos concretizados, mas o espaço em aberto que, porventura, o nosso contributo tornará, para alguém, mais nítido. Não é o chão com os traços confusos de todos os passos que demos, mas um chão varrido, um pano sem demasiados vincos o dom mais precioso a restituir. Não é apenas a vida como resumo de uma história, por extraordinária que ela seja ou tenha sido, mas a ousadia de repropor a vida, a vida como intacta possibilidade que nada é capaz de exaurir. Porque a natureza da vida, a sua real dimensão, o seu deflagrar espantoso depende não só do que pudemos objetivar, mas sobretudo daquilo que outros farão com o que nos atravessou. As nossas trajetórias são apenas uma parte: não são a viagem. Todos os navegadores solitários de que ouvimos falar não fizeram outra coisa que habitar um sonho de viagem, que mesmo quando vivido apaixonadamente nunca o detiveram como exclusivo seu: receberam de outros e a outros o passaram. E quando cumpriram tal transmissão nem sabiam exatamente a quem se destinava. Mas a chuva não conhece tudo aquilo que molha. Nem o sol escolhe áreas delimitadas a iluminar. A melhor metáfora da existência não são as mãos que se fecham, mas as que se escancaram e, por fim, se reconhecem no brilho da própria nudez.

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.