Opinião

De onde vem o que julga saber? Já conversou com pessoas trans e não-binárias?

Medos reforçam medos, transfobia alimenta-se de transfobia. E a transfobia mata. A única forma de quebrar este ciclo de medo é passar a ouvir pessoas trans e pessoas de todo o espectro LGBTQIA+. Contactar diretamente com uma comunidade é sempre a melhor forma de a conhecer

Imagine que ter medo de pontes passava a dar qualificações para decidir sobre a construção das pontes e viadutos do país. Absurdo, não é? Podemos concordar que ter aversão a algo não torna alguém mais conhecedor da matéria, mas, apesar disso, é comum encontrar nos jornais portugueses artigos de pessoas que por serem transfóbicas, se sentem especialistas em assuntos trans.

A transfobia caracteriza-se pela recusa em reconhecer as identidades trans como reais ou válidas. Agora imagine, cá estou eu na minha vida a acordar, a tomar o meu café, a trabalhar, a conviver com a minha família, a cuidar do meu gato. E quando abro o jornal encontro alguém a argumentar sobre se eu existo ou devia existir. É muito triste. Quanta falta de empatia é necessária para se falar da existência de outros seres humanos como quem decide a construção de rotundas?

Pessoas trans e não binárias sempre existiram em todas as culturas. A nossa existência é muito anterior à criação das palavras que hoje nos definem. E não precisamos que nos digam o que sentimos ou o que deveríamos sentir, porque os nossos sentimentos são tão fortes, reais e válidos como os de qualquer outro ser humano. Não estou à espera da autorização de ninguém para ser quem sou. Já cá estou, já cá estamos. Vivemos nos mesmos bairros que as pessoas cis, fazemos exercício lado a lado nos mesmos ginásios, trabalhamos nas mesmas empresas.

Só vale a pena comprar um jornal se ele nos der acesso a opinião informada. Ora, o medo nunca é um bom ponto de partida para chegar a informação válida porque o ser humano tende a evitar aquilo que teme e o que lhe provoca stress físico e emocional. Pessoas transfóbicas evitam o convívio com pessoas trans e por isso não conhecem as suas vidas, os seus problemas e as suas motivações.

De onde vem então o suposto conhecimento sobre o assunto? Vem de tweets, opiniões e textos que por serem igualmente transfóbicos reforçam crenças dessas e desses colunistas, dando-lhes segurança. Informação que não confirme as suas crenças é logo ignorada. O nome deste processo cognitivo é viés de confirmação. Este e outros atalhos mentais estão estudados pela psicologia e é fundamental ter consciência deles quando se trabalha para órgãos de comunicação social que queiram ser sérios. Medos reforçam medos, transfobia alimenta-se de transfobia. E a transfobia mata.

A única forma de quebrar este ciclo de medo é passar a ouvir pessoas trans e pessoas de todo o espectro LGBTQIA+. Contactar diretamente com uma comunidade é sempre a melhor forma de a conhecer.

Agora pergunto a quem me lê: Já conversou com pessoas trans e não-binárias? Tentou empatizar com os seus sentimentos? Mostrou interesse pelos seus pontos de vista? Ou tudo o que julga saber foi mediado pelo discurso transfóbico?

(O texto que acabou de ler usa linguagem inclusiva. Não é tão assustadora como se diz, pois não?)