Opinião

Como se vai governar a França de Macron 2.0?

Macron apresentou-se em 2017 com a promessa de lutar contra a extrema direita e fazê-la recuar. Ora, sucedeu precisamente o inverso com o crescimento histórico do “Rassemblement national” que consegue um grande grupo parlamentar

Terminou, este domingo, a competição política para eleger os deputados franceses que irão representar o interesse dos franceses nos próximos cinco anos. Esta constatação simples não deixa transparecer, de todo, o alcance ainda imprevisível dos resultados. Estes últimos são marcados pela perda da maioria presidencial de Macron, o segundo melhor resultado para a coligação das esquerdas NUPES e a ascensão da extrema direita de Le Pen. Outro grande facto massivo é a abstenção.

O sufrágio dos eleitores permitiu que as duas principais situações que se queriam evitar acontecessem. Por um lado, uma reforma do ano 2000 permitiu evitar situações sem maioria clara, que davam lugar à coabitação quando a maioria parlamentar não coincidia com o partido do Presidente. Tida como uma situação instável e, portanto, indesejável, a França decidiu sincronizar os mandatos em cinco anos e criar uma sequência entre as presidenciais e as legislativas. Desde então, e até hoje, nenhum Presidente tinha tido ainda que partilhar a tarefa executiva com um primeiro-ministro de outro partido.

A perda da maioria e os discursos de vitória de Mélenchon e Le Pen, centrados na “macronia” como alvo principal, trazem, de novo, para primeiro plano o questionamento da reforma introduzida no início deste século. O desfasamento entre a duração do mandato presidencial e do mandato dos deputados permitiria uma maior clareza e diferenciação entre as funções do Eliseu e de Matignon. Paradoxalmente, menos poder poderia significar mais autoridade para o Presidente. E também redundaria em maior representatividade da Assembleia Nacional.

Neste momento, os franceses têm a perceção que Macron “trata de tudo” e que o Parlamento não é representativo, criando grandes confusões sobre o verdadeiro desafio das legislativas, que ficam à sombra do ato anterior que elege o Presidente. Ademais, um clima mais difuso emana desta situação para os franceses que não votaram para o partido da maioria e que não se sentem representados por um Presidente que faz figura de “monarca republicano”, agora na mira da nova oposição, muito reforçada, que se organiza no novo Hemiciclo.

Por outro lado, Macron apresentou-se em 2017 com a promessa de lutar contra a extrema direita e fazê-la recuar. Ora, sucedeu precisamente o inverso com o crescimento histórico do “Rassemblement national” que consegue um grande grupo parlamentar, algo que só tinha almejado uma vez até agora, em 1986. Apesar de não ser a principal oposição, ganhou visibilidade.

Entre fragilidade das instituições e posturas antissistema, todos se advogam hoje como protagonistas de “atitudes republicanas”. O pano de fundo do excesso de presidencialismo alimenta uma realidade que reflete uma crise profunda da democracia “à la française” e dos seus valores. Esta França que se transformou, e que saiu das urnas neste domingo, é governável por Macron e o seu futuro governo? Na governação em maioria relativa haverá muita oposição e qualquer dos cenários previsíveis vão pôr em causa quer a legitimidade, quer a capacidade, de liderar o executivo e de implementar uma política económica de direita.