Um programa semanal torna inevitável deixar de lado muitos temas que mereceriam relevo.
Entre outros exemplos, o Orçamento aprovado, a explosão da inflação, o défice externo, os picos de mortalidade em 2020 (e a falta de informação sobre 2021), a estratégia do Presidente da República para os próximos anos que foi revelada ao Expresso, o atentado numa escola no Texas que matou 19 crianças, o debate sobre a eleição para o Tribunal Constitucional do Professor António Almeida Costa.
Digamos que o que segue foi o que ficou depois de ter lançado a rede aos peixes… ainda que algum peixe tenha sido congelado para não se perder e possa ser servido em breve a quem tem a bondade de me ler.
ESTALINE E PUTIN SOBRE GUERRA E PAZ
Estaline terá dito um dia em 1947, ao então Secretário de Estado Georges Marshall, que “só depois de ficarem exaustas, as pessoas são capazes de reconhecer a necessidade de compromissos; é preciso ter paciência”.
Parece surpreendente que Estaline o tenha dito, mas faz todo o sentido. E a frase e o personagem fizeram-me lembrar o seu grande admirador, Vladimir Putin, a propósito do que se está a passar na Ucrânia.
Como a meteorologia ao pé do mar, a atmosfera política muda muito depressa. No fundo chocam-se na Ucrânia todos os dias, por entre bombardeamentos e combates, duas teses, a do chamado “partido da paz” e a do “partido da justiça”:
O “partido da paz” defende é preciso conseguir pôr termo à guerra a curto prazo, pois essa é a única alternativa, ainda que para isso a Ucrânia se tenha de resignar a perder para sempre a Crimeia (27 000 km2 e 2 milhões de habitantes) e também a Região de Donbass (cerca de 100 000 km2 e 4 milhões de habitantes em 2021) ou parte dela, ou seja cerca de 20% do território e 15% da população.
O “partido da justiça” considera que é inevitável continuar a guerra até que a Rússia recue e abandone o que ocupou, incluindo o que preexistia à invasão (7% do território e 9% da população), assumindo a derrota, mesmo que para isso haja o risco de que a Ucrânia se transforme numa grande Mariupol e seja arrasada até à rendição.
Desde março que venho referindo os argumentos de cada tese, que aliás são conhecidos.
As razões para optar por uma ou por outra são evidentes, ainda que a contrainformação se infiltre de várias formas no dilema.
É claro que se Estaline estiver certo vai tudo acabar numa negociação, quando os exaustos contendores finalmente optem pelo compromisso.
A Rússia está a tentar controlar o Donbass na sua totalidade a curto prazo, talvez por temer que armamento mais abundante e sofisticado a chegar dos EUA e o desgaste das tropas invasoras permita uma reação da Ucrânia que os derrote.
Se for assim, há uma janela favorável à Rússia nas próximas semanas, que depois pode ser mais favorável à Ucrânia até ao final do Verão.
Mas depois disso, no Outono e Inverno, tudo dependerá da opinião pública europeia, da Rússia arriscar cortar o gás à Europa na sua totalidade e da fome em África e no Mediterrâneo.
MONTENEGRO ESMAGOU. E AGORA?
A vitória de Luis Montenegro era provável. O que os especialistas na vida interna do PSD não previam era que fosse tão esmagadora.
Há seguramente várias explicações, mas entre elas as principais parecem-me ser as seguintes:
a) O número de votantes foi muito baixo, o que naturalmente significa que foi ainda mais preponderante o voto das estruturas locais, onde o vencedor tinha enorme vantagem;
b) Luis Montenegro parecia mais preparado, com a sua experiência política, para liderar um partido que tudo indica vai estar 4 anos na oposição do que o seu rival, que surgia como tecnicamente mais competente, mas parece ser um novato nos combates políticos;
c) A estratégia de Montenegro foi inteligente, como aqui antecipei há duas semanas: não fez campanha para o País e nem sequer para os 1,5 a 2 milhões de potenciais votantes no PSD, mas apenas para os cerca de 45 000 eleitores de sábado. Ganhou também por isso e com isso.
É verdade que (apesar de disfarçada) havia uma diferença de posicionamento estratégico entre os candidatos: Montenegro quer que o PSD lidere a Direita para ser alternativa ao PS e Moreira da Silva queria ser alternância ao PS sem olhar para a sua Direita.
Mas não creio que essa diferença fosse um fator determinante no resultado, porque:
a) Não foi totalmente claro o posicionamento estratégico de Moreira da Silva, a não ser na recusa enfática e inequívoca em relação ao Chega e, por isso, aos seus eleitores;
b) Votaram sobretudo os fervorosos militantes e esses olham mais para o candidato do que para as estratégias, pois sabem que o PSD é camaleónico;
c) A questão da estratégia para eleições futuras não era nem é ainda realmente prioritária, ainda que venha a ser em 2026.
Talvez por isso, a eleição não se fez entre um sucessor de Rui Rio, assumido ou não, e outro de Passos Coelho. Os dois candidatos vêm do “passismo” e compreensivelmente nenhum tentou mostrar ser “rioísta”, ainda que os principais cabos eleitorais de Rio estivessem com Moreira da Silva.
Ou seja, a eleição não resolveu o problema de fundo que bloqueia e paralisa o PSD: deve o partido ser de Centro, social-democrata, virado para a captação de futuros eleitores desiludidos do PS (em especial reformados e funcionários públicos) ou ser o líder da Direita, apresentando-se como alternativa e não apenas como alternância aos socialistas?
Seja como for, vencer com 73% dos votos e com o apoio praticamente unânime do aparelho, torna inexpugnável o castelo.
Ou seja, exceto se ocorrer uma (imprevisível) catástrofe nas eleições europeias de 2024, Montenegro vai a jogo em outubro de 2026 contra o sucessor de António Costa.
E não vai haver catástrofe em 2024: o PSD teve em 2019 apenas 21,9% dos votos nas Europeias, pelo que – mesmo com IL e Chega com força eleitoral – é improvável não ter melhor resultado daqui a 2 anos.
Por isso, o PSD não vai tolerar outra coisa que não seja a unidade interna, diria que férrea, o que torna a vida de Montenegro nesse plano muito serena.
Os problemas de Montenegro são outros.
Em primeiro lugar, não tem força na opinião pública e é considerado “aparelhista” pelos “opinion makers” que gravitam no PSD ou à sua volta. A recusa de debates com o rival foi uma boa estratégia para a eleição, mas penaliza-o na perceção futuro e é por isso um “handicap” à sua afirmação.
Por isso tem de se construir como líder unificador, atrair nomes de muita qualidade e dar-lhes protagonismo, surgindo mais como coordenador de uma equipa do que como um líder carismático. É veradde que é disto que o PSD gosta, mas sabe sempre se tem ou não a dirigi-lo alguém com essa caraterística.
Em segundo lugar tem de ser capaz de evitar a tática da avestruz em relação ao Chega (mas também quanto ao IL e ao CDS), metendo a cabeça debaixo da areia e não se assumindo como portador de uma estratégia – seja ela qual for – em relação a esses partidos.
Como aqui referi, tem de optar entre tentar destruir a Direita, como Cavaco, ou liderar a Direita, como Sá Carneiro. E o país tem de perceber bem do que se trata, pois com os dados que temos a terceira hipótese é não ter a menor hipótese de ganhar em 2026, pois o método de Hondt ser-lhe-ia fatal.
É ILEGAL ABUSAR DO DIREITO DE GREVE
Na passada semana falei aqui do caos que se estava a instalar nos aeroportos e que é a pior propaganda possível para os turistas, os nómadas digitais e os investidores estrangeiros pequenos e grandes de que precisamos.
Fiz então uma pergunta aos trabalhadores do SEF, que recordo: será que não percebem que são os turistas que em grande medida lhes permitem ter emprego e a remuneração?
A resposta demorou menos de uma semana: sim, sabemos, mas o nosso emprego está garantido porque somos funcionários públicos.
E agora tudo se tornou claro: os inspetores do SEF vão lutar sem contemplações para manterem o seu monopólio.
E fá-lo-ão mesmo que isso seja uma tragédia para a retoma económica, mate a recuperação do turismo, perturbe o investimento estrangeiro, em tempos que se adivinham terríveis para o emprego (de quem não tenha o Estado como patrão, claro) e para as classes médias.
Já sei que marcam plenários para as horas piores, pois assim é que perturbam mais.
Já sei os tribunais arbitrais estão cada vez menos propensos a decretar serviços mínimos (veja-se o que Paulo Trigo Pereira escreveu no Observador, a que aludo mais à frente).
Já sei que o direito de greve está na Constituição.
Mas sei também que é ilegal abusar de qualquer direito e o de greve não pode ser exceção, apesar da falta de coragem há décadas para o afirmar e tirar consequências.
E sei que a requisição civil dos trabalhadores do SEF é possível.
Isto dito, compreendo e acompanho o estado de espírito dos inspetores do SEF, há mais de um ano e meio à espera do que fora anunciado.
Por isso há que dizer que a maior responsabilidade do que se está a passar é do anterior Governo Costa e das toleradas trapalhadas do Ministro Cabrita que avançou com o anúncio da extinção do SEF, não fez nada, nem sequer as soluções pragmáticas agora a serem tentadas sob pressão.
Com isso Cabrita deixou uma granada de mão já sem a cavilha de segurança ao seu sucessor.
Mas José Luis Carneiro tem aqui o seu teste político e parece que não quer perdê-lo. Vamos ver se no Governo o deixam ganhá-lo…
O ELOGIO
O projecto de Conservação e Restauro dos Tectos Mudéjares da Sé do Funchal, na Madeira, venceu o Prémio Gulbenkian Património - Maria Tereza e Vasco Vilalva, pela “exemplaridade da intervenção”. Vejam a foto que saiu no Público.
O elogio é para a Sé do Funchal, para a Igreja Católica, para a Gulbenkian e para o júri do prémio. E, simbolicamente, para todos os que em Portugal lutam pela defesa do nosso património cultural.
LER É O MELHOR REMÉDIO
No passado domingo o Professor Paulo Trigo Pereira publicou no Observador um texto intitulado “Porque ignorou o tribunal arbitral os direitos dos cidadãos?”
No artigo é criticada a decisão do tribunal arbitral que define serviços mínimos em greves, o qual concluiu que não era necessário que existissem nesse caso.
O mais importante é ter afirmado que “as partes essenciais neste litígio – haver ou não serviços mínimos – são os cidadãos e utentes dos serviços ferroviários de um lado e os trabalhadores do outro”, o que é uma típica situação de conflito de direitos, mas em que o ponto de vista dos cidadãos é desprezado, pela própria entidade patronal, que é o Estado.
Este texto abre um debate que ninguém tem estado interessado em fazer, e que com a passagem do PCP para a oposição, a sua perda de força parlamentar e o aumento da inflação, vai estar na ordem do dia.
Há muito tempo que venho defendendo que o direito de greve não é um direito absoluto e que, até por isso, ser exercido de forma abusiva é ilegal. E considero que os direitos dos “cidadãos-consumidores” são em regra desprezados.
Mas não nos iludamos, na origem da questão está a tendência para não admitir sequer que se conteste o modo como se vem exercendo muitas vezes o direito de greve.
Voltarei ao tema.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
O Presidente da Junta de Freguesia de Alvalade teve a gentileza de responder à pergunta que fiz há 3 semanas, o que muito agradeço.
E basicamente esclareceu que os logradouros desenhados por Caldeira Cabral já chegaram em 2015 em muito mau estado, vindos do Instituto de Gestão da Segurança Social e estão a tentar recuperá-los demolindo as construções clandestinas e abrindo-os ao usufruto público.
E quanto a um campo de rugby confirmou que tudo foi feito antes das eleições autárquicas, que a Câmara investiu ali mais de 2,3 milhões de euros, que vai continuar a apoiar o concessionário, mas parece que agora se conseguiu assegurar que se aplique uma “estratégia inclusiva que seja, efetivamente, adequada a promover a prática desportiva de todos os cidadãos que manifestem esse interesse”, a qual estará a ter sucesso.
Se assim continuar a ser, nada a criticar quanto a isso.
A LOUCURA MANSA
O tema dos médicos de família continua a chegar-me por mails de todo o país. Um exemplo de loucura é o seguinte:
Um cidadão tem uma doença crónica, é seguido por um especialista da sua confiança, e o protocolo pede um exame anual de rastreio. Quando vai ao seu médico de família pedir que receite esse meio complementar de diagnóstico, o “facultativo” (como se dizia antigamente e se aplica bem ao caso) recusa receitar, por ele estar a ser seguido por outro médico e não por discordar do exame.
Ou seja, o cidadão tem de pagar caro, o que teria de graça se fosse “doente do centro de saúde”!