Opinião

Um francês, um espanhol, um português e os marretas entram num bar…

O Statler e o Waldorf, o incumbente e o populista da política portuguesa, são o PS e o Chega. Partilham o camarote, rezingam um com o outro, e enquanto os estamos a ver, ninguém presta atenção aos outros marretas

Um francês, um espanhol e um português entram num bar. À saída, bêbedos, destroem o bar. Antes, porém, se o bar for em França e o francês eleitor de Le Pen, pergunta o que é que os outros lá estão a fazer. Se o bar for em Espanha e o espanhol tiver nascido na Catalunha, manda-nos ir chamar espanhóis aos de Madrid; já se for eleitor do Podemos, está no botellón, porque o bar é uma marca conservadora do ignominioso heteropatriarcado, que deve ser okupado ou destruído. Se o bar for em Portugal, o português espera que sejam os outros a pagar a conta. Eis, numa anedota, uma síntese cultural de uma parte significativa da Europa, outrora farol da Civilização: nacionalismo, separatismo, cancel culture, e dependência sem desígnio.

A Europa encontra-se a braços com uma guerra endémica, com uma crise de refugiados pré-pandémica, a meio de uma recuperação pós-pandémica e com uma competitividade anémica. Perdida, porém, embarca, suicida, em cada nova "oportunidade" de cisão cultural e social. O espaço público, outrora ocupado a discutir visões alternativas de progresso e melhoria das condições de vida dos cidadãos, entregou-se a discussões sonoras sobre vias de cisão social, cada vez mais insanáveis: nacionais vs estrangeiros; "de bem" vs usurpadores; cisgéneros heteropatriarcais vs "fluídos"; brancos vs outros; "gente que está a acumular" vs "pobres". Por cada marreta que, à esquerda, grita mata, aparece logo outro marreta, à direita, a gritar esfola; e vice-versa.

Por cá, a perda de poder de compra, com o aumento da inflação, e o estrangulamento orçamental familiar com a subida das taxas de juros e da prestação do crédito à habitação, ameaçam ser um garrote fatal para as famílias portuguesas. Estou a falar de famílias: gente que tem de pôr os filhos na creche cedo pela manhã, para depois enfrentar os demorados movimentos pendulares para ir trabalhar, e repetir, no final do dia, a mesma rotina em sentido contrário. Estou a falar de famílias: que têm filhos em escolas cada vez piores, outrora esperança de elevador social, atualmente inevitável afundador social, como o Alexandre Homem Cristo rigorosamente descreveu aqui esta semana. Estou a falar de famílias: gente sem perspetivas de melhoria, que assiste a nepotismos e incompetências recompensadas pelo status quo a que nunca acederão. Estou a falar de famílias: aquelas que, com o sol a despontar, lembram, novamente, aquelas férias adiadas sine die. Estou a falar de famílias: aquelas para quem o mês é cada vez maior que o ordenado.

E estou a falar de famílias, porque família costumava ser a célula social a partir da qual a generalidade das tradições da direita portuguesa costumava estruturar os seus programas. Não numa perspetiva de repúdio de outras formas de organização de vida, ou de configurações de família nalgum momento consideradas menos convencionais, que é coisa que sempre interessou pouco à generalidade das pessoas, mas numa perspetiva de defesa desse núcleo essencial da sociedade, quer do ponto de vista económico e de subsistência, quer também do ponto de vista da liberdade cultural e moral.

Antes do copo fatal, no bar, o espanhol dizia: desde novembro de 2019, data das últimas eleições gerais, sempre que o PP sobe nas sondagens, o PSOE e o Vox descem, sempre que estes últimos crescem, o PP desce. Falava das sondagens de maio de 2021, julho de 2021, outubro de 2021, dezembro de 2021, fevereiro de 2022 e abril de 2022. Em síntese: sempre que o incumbente e o populista sobem, o desafiante desce.

O francês lembrou como o seu país se dividiu ao meio nas presidenciais e, já ébrio, esfregou as mãos à espera das legislativas: quanto pior, melhor. O tempo é de guerra, não é de construção, diz ele.

E em Portugal, quem são o incumbente, o populista e o desafiante?

Falava em marretas: o Statler e o Waldorf, o incumbente e o populista da política portuguesa, são o PS e o Chega. Partilham o camarote, rezingam um com o outro, e enquanto os estamos a ver, ninguém presta atenção aos outros marretas. Numa peça aqui no Expresso, na revista, João Diogo Correia constatava como os populistas ganham em estar na oposição. E, por outro lado, sabemos como os incumbentes têm a faca e o queijo na mão. Literalmente. Cortam e distribuem-no à medida das suas conveniências. A ausência de uma alternativa credível e construtiva, reforça-os no poder. E alimentar o confronto com o populista irresponsável seca o território que os medeia, aumentando a gritaria e desviando o olhar do essencial.

Quem é o desafiante, em Portugal? Tradicionalmente costumava ser o PSD. Proponho, porém, que se lhe chame, por economia de palavras e racionalidade eleitoral, PPD. Ou, se preferirem, a velha AD: do centro-esquerda à direita democrática. Com uma marca inexorável: ser alternativa polarizadora ao PS.

O que é que podemos dizer ao PPD, a partir da nossa própria experiência e da experiência dos outros? Que um PPD que não afaste inequivocamente o Chega perde votos dos moderados para o PS, e um PPD que não ataque o PS perde votos dos insatisfeitos para o Chega.

Um PPD que não enderece respostas aos funcionários públicos, é um partido que aliena 800.000 eleitores, diretamente, e pelo menos mais 800.000 eleitores, entre cônjuges, descendentes e ascendentes, indiretamente. 1,6 milhões de putativos eleitores, em eleições que não têm mobilizado mais de 5 milhões, é muita gente. Por outro lado, um PPD que não serene os mais de 3,5 milhões de pensionistas, derrogando o anátema do cisma grisalho, é um PPD que desistiu de vencer eleições. Também, porque nos mais jovens, a IL entrou fortemente na compita.

Eu conheço a intelligentsia destra: se o Chega cresce, é melhor não o estigmatizar, não vamos nós precisar deles; se o PS pode ser governo com o apoio da extrema-esquerda, por que é que nós não podemos ser governo com a extrema-direita? Lamento: estão enganados. Não fosse a xenofobia, o racismo e o antiparlamentarismo o suficiente para a derrogação pronta, pelo menos, para os mais oportunistas, um olhar atento ao mercado eleitoral deveria bastar para perceber. Não sou eu que o digo, foi o povo português que o disse inequivocamente nas últimas eleições.

De cada vez que o PPD admite acordos ou titubeia no seu afastamento face ao Chega perde eleitores. Para o PS vão os que, ao centro, não toleram o extremismo. E para o Chega, os que, sabendo que um acordo é possível para vencer o PS, não veem por que, nesse caso, não votar "em quem diz as verdades" de forma mais ruidosa. Reforço, por ordem de prioridade: o PPD precisa de fazer oposição cerrada ao PS, e de derrogar acordos com o Chega. Inequivocamente. Ou, repito, perde votos para a esquerda e para a direita. Ao mesmo tempo.

O Statler e o Waldorf tudo farão para o desviar desse caminho. Em vésperas de novas diretas no PSD, o principal partido do espaço do PPD, os candidatos ainda vão a tempo de perceber isto. Ou isso, ou podemos ficar com a cantiga de abertura dos Marretas, cantada precisamente por Statler e Waldorf: por que é que aqui continuamos a vir, acho que nunca saberemos, é uma espécie de tortura ter que assistir a este show. Com uma subtileza: eles sabem por que é que ali vão.