Nunca mais me esqueci: era eu miúdo, por inícios da década de 80 do século passado, e ali à porta do Casino Estoril já se amontoavam os clientes habituais para correrem, assim que as portas abrissem, para as slots que tinham deixado na noite anterior. Esta bizarra e vetusta memória veio-me à lembrança esta semana. Porquê bizarra? Porque havia ali, num clima vicioso e doentio, uma esperança vã numa sorte improvável, uma dependência vital do que é independente do mérito e do esforço, e a certeza maior de prejuízo. Porquê esta semana?
Porque ouvindo António Costa e Silva e Pedro Nuno Santos, lembrei-me daqueles clientes. Aqui estavam eles novamente expostos ao meu olhar: um à procura de lucros aleatórios e inesperados, e outro assegurando perdas regulares e esperadas. Entre estes e os de então, a mesma ilusória esperança: que a sorte os leve à fortuna, onde já não chegam nem pelo trabalho nem pela visão.
Explico melhor. António Costa e Silva, na sua primeira intervenção no Parlamento como Ministro da Economia, admitiu a possibilidade de aplicar um novo imposto a empresas que apresentem "lucros aleatórios e inesperados". Pedro Nuno Santos, por seu turno, encolheu os ombros e disse que #vaificartudobem quando confrontado com o novo prejuízo de 1.600 Milhões de euros da TAP.
O imposto Costa e Silva tem um nome técnico: chama-se windfall tax. Ficou mais conhecido quando Tony Blair, para financiar o New Deal, o aplicou no Reino Unido. A razão: corrigir o que os Labour consideravam à época ter sido uma privatização de empresas públicas lesiva dos interesses do Estado. O propósito: financiar um combate ao desemprego de longa duração e o ensino. O que vale a pena salientar é que, com Blair, o windfall tax tinha um propósito útil. É claro que podemos - e devemos - discutir a sua eficácia; e eu duvido dela. E é claro que podemos - e devemos - discutir o seu significado político; e eu, ao contrário do dr. Rio, considero-o um erro. Mas nestes dias arrastados e sem desígnio, o que mais nos deve interpelar, mais do que a sua eficácia e mais do que o seu significado político, é o seu propósito útil. E, no nosso caso, a falta dele.
Por que é que digo ausência de propósito útil? Porque num país com uma economia com vários problemas estruturais, a carga fiscal, que podia e devia aliviar como parte da solução, não para de aumentar. Para quê? Não para fazer a economia crescer, para consertar o elevador social, para melhorar os serviços públicos, mas tão só para alimentar a nova ficção do PS: a das contas certas.
Sobre isto, Fernando Medina, aliás, qual clérigo-mor do mesmo mantra, já o veio assegurar: este é um orçamento de contas certas. Não me interpretem mal: não há problema nenhum com as contas certas, que devem, de resto, ser uma condição elementar da política do Governo. O problema é quando confundimos condição elementar com propósito final. É isto que este novo mantra do PS faz, disfarçando o vício e indultando a clientela.
Na dúvida, sobre as contas certas do PS, a Física e a Estatística explicam. Os equilíbrios podem ser dinâmicos ou estáticos. Este é dinâmico, já que o corpo, leia-se as contas públicas, está em movimento retilíneo. Ascendente: a despesa e a receita teimam em subir. Na mesma linha, a Estatística mostra-nos uma correlação. Negativa: enquanto a despesa e a receita crescem, a economia tende a decrescer.
Falava em propósito e em desígnio. Faço uma pergunta: para onde, se não apenas para um equilíbrio sine die, de onde alguém, na UE, nos possa resgatar para uma margem segura, caminhamos nós? Qual é o desígnio português neste primeiro quartel de século?
Não disse margem por acaso: Portugal está na margem inferior da UE no que concerne à riqueza per capita, ao investimento em inovação, ao crescimento económico, à participação na nova economia, à educação, à eficácia na justiça, e por aí fora vai.
Numa contagem nada aleatória e bastante esperada, a Lei do Orçamento dá-nos a resposta sobre o horizonte: 92 referências a imposto(s), 79 a taxa(s), 20 a economia e 3 a crescimento, sendo que 2 delas são sobre o crescimento espontâneo do eucalipto e 1 sobre o crescimento do endividamento. É caso para dizer: faites vos jeux.
Esta governação é um embuste. Um embuste que o país pagará mais à frente, como pagam, normalmente, as famílias dos jogadores de casino.