A Direita, ou melhor, as Direitas, têm 4 anos para tratar da sua vida. Pelo caminho há eleições regionais no Outono de 2023, para o Parlamento Europeu em junho de 2024, autárquicas em setembro de 2025 e, quem sabe, um
referendo sobre a regionalização.
Tal como estão, as Direitas correm o risco de ver de novo a Esquerda ganhar em 2026. A grande questão é saber se podem fazer alguma coisa para evitar esta “profecia”.
A minha tese: é possível, sim. Vamos ver se, porquê e como.
AS QUATRO INVIÁVEIS ESTRATÉGIAS
O problema reside no PSD, como é evidente. Ao contrário do Chega e da Iniciativa Liberal, o partido líder da oposição está em crise. Ao contrário da IL, não sabe bem o que quer. Mas, do mal o menos, ao contrário do Chega não está isolado.
O futuro de Direita passa, por isso, sobretudo pelo PSD, que tem a faculdade de escolher entre várias linhas estratégicas, embora elas sejam tendencialmente incompatíveis.
O que não pode (ou vai falhar, se o fizer) é tentar meter numa misturadora várias delas e ligar à corrente para fazer um cocktail.
Essas possíveis estratégias são:
a) A estratégia cavaquista – apostar em alcançar a maioria absoluta na Assembleia;
b) A estratégia sá-carneirista – liderar uma coligação de Direitas e com isso alcançar uma maioria absoluta;
c) A estratégia rui-rioista – ser o partido mais votado e, sem maioria, tentar governar com acordo do PS;
d) A estratégia mota-pintista – se necessário ou como opção, criar uma aliança estável com o PS, ainda que com o preço de ser o partido júnior.
Nenhuma destas várias estratégias parece possível atualmente:
a) Com Chega e IL a valerem 12%, e consolidados como projeto autónomos (ao contrário do CDS em 1985-7),
tentar sozinho a maioria absoluta é um disparate;
b) A estratégia sá-carneirista implicaria um acordo com o Chega, o que continuará a ser inviável pelo menos nos próximos 4 anos;
c) A estratégia de Rui Rio implicaria uma pesada derrota do PS e seria sempre recusada pelo PS, sendo que a Esquerda vale hoje 53% dos votantes;
d) Com o PS a sair de 4 anos de maioria absoluta, o bloco central seria um suicídio para o PS, que tem sempre em reserva governar à Esquerda.
Ou seja, nenhumas das 4 opções estratégicas parece que possa ser vencedora e com isso a minha reflexão podia terminar e concluirmos que só vale a pena voltar ao tema em 2030, se eu ainda por aqui andasse.
Nada a fazer, portanto? Continuo a achar que não tem de ser assim.
PSD: ASSUMIR O CENTRO, ESQUECER A HEGEMONIA À DIREITA
O PSD tem de se adaptar a uma nova realidade, em que deixará de ser hegemónico e nem é seguro que possa ser liderante.
Creio que a única solução admissível é o PSD resolver o seu dilema a favor do “centrismo”.
Trata-se de manter a inspiração de Rui Rio, que foi inovadora no PSD, e com isso abdicar de se focar no voto útil da Direita, deixando de “falar” para os eleitores do Chega.
A opção centrista permite ao PSD uma política de alianças aberta, quer com a IL (e o que surja na direita moderada) quer com o PS.
Tem agora 4 anos para consolidar essa opção e torná-la credível.
Como todas as opções, esta vem naturalmente com dificuldades e riscos.
As dificuldades resultam sobretudo de grande parte do seu atual eleitorado (que corresponde a cerca de 29% dos votantes) ser realmente de Direita e radicalmente anti-PS, pelo que não é seguro (diria eu que é improvável) que as eleições internas sejam ganhas por quem tente esta profunda mudança estratégica.
Os riscos resultam em primeiro lugar de que a redução natural da sua força eleitoral possa ter um efeito incontrolado e em cascata devido ao método de Hondt e à reorganização da Direita sem o PSD.
E o outro principal risco é aquilo que Maria João Avillez, com lucidez e perspicácia, escreveu na análise da derrota do PSD: “ninguém quis provar o queijo tipo serra”.
Ou seja, com o PS a tentar ocupar o Centro, num processo de mexicanização (“partido natural de Governo”) a tarefa pode falhar, ou ser o começo de uma aliança em que o PSD não pode aspirar a mais do que ser o parceiro júnior, dependente do PS como inevitabilidade, perante uma Direita que se reorganiza sem ele e até talvez contra ele.
Mas não tenho nenhuma dúvida em afirmar que esta seria a solução que eu favoreceria se tivesse alguma coisa a ver com isso.
Infelizmente temo ver o PSD continuar a agir como se a realidade não se tivesse alterado, a tentar conciliar o inconciliável, a lutar por uma hegemonia sobre e contra os partidos de Direita.
Essa vontade de hegemonia exige a destruição ou subordinação do IL e do Chega (e por isso tentar captar os seus eleitores), para o que o PSD vai gastar inutilmente energia, em vez de se concentrar em se renovar, encontrar um destino e – já agora – em se focar no combate com o PS.
Ou seja, temo que em 2026 o PS volte a ganhar e o PSD a arrastar-se penosamente para um declínio tornado cada vez mais inevitável.
O PROJETO TEJO, SECA E DESERTIFICAÇÃO
Um dos nossos problemas, é que os media e comentadores não têm memória. Por isso assuntos que tiveram relevo, são enterrados logo que nascem.
Lembro o caso da grave seca em curso, das previsões de que ao Sul do Tejo caminharemos para graus elevados de desertificação, das barragens transformadas em charcos e – no sentido oposto – que a barragem do Alqueva é um “oásis no Alentejo” e tem mais água agora que todo o sistema de barragens espanholas no Guadiana.
Para se perceber o “oásis”, é impressionante – hoje que se comemoram 20 anos do arranque do Alqueva – o mapa do Alentejo com os perímetros de rega (atual e previsto para 2030) acessível no site da EDIA.
Em 19 de outubro, em Tomar e a convite da CGD, falei detalhadamente do chamado “Projeto Tejo”, um sistema de barragens e canais para rega e abastecimento, que foi esquecido no PRR por oposição de alguns ambientalistas que influenciaram o ministro.
Este é o mapa do que poderá acontecer:
Em rápido resumo, o Projeto Tejo abrange 43 municípios (do Ribatejo, Beira Baixa, Oeste, Setúbal) e 1.500.000 habitantes.
Se for para a frente, e em 25 anos, vai permitir:
a) triplicar o regadio atual para 300 000 hectares, sem usar águas subterrâneas,
b) aumentar mais de 500% o rendimento agrícola numa zona de minifúndio onde ainda existem mais de 30.000
agricultores,
c) criar um novo destino turístico muito forte ligado ao Tejo,
d) tornar o Tejo navegável (como já queria Filipe 1º) até Espanha o que em si mesmo, e como acontece por essa Europa fora, é uma fonte de desenvolvimento económico em época de neutralidade carbónica,
e) regularizar as margens do Tejo,
f) vigiar as recorrentes descargas poluentes,
g) criar 40 000 empregos novos,
h) evitar perder em cada ano o uso económico – para além da atual produção de eletricidade – de 13 biliões e trezentos milhões de litros de água
i) tudo isto com um investimento por hectare com custo inferior ao Alqueva, e em que
j) o preço da água para regadio será metade do preço no Alqueva.
A maioria absoluta, a seca gravíssima, a necessidade de adaptação a alterações climáticas num País que caminha para deserto em metade do território, tudo isso obrigaria a que este tema estivesse na ordem do dia.
Não é possível fazer-se? Sinceramente acho que depende da opinião pública, que por sua vez depende dos media. Como dizem os amigos brasileiros, fico no aguardo para ver se avança o tema ao menos para debate.
O ELOGIO
À Rainha Isabel II, pelos 70 anos de reinado. Todos os elogios que concretizasse são óbvios. Basta dizer que se houvesse um Prémio Nobel para o mais dedicado e competente servidor da causa pública desde os anos 50 do século passado, ela ganharia sem margem para dúvidas.
Não temos por isso de aderir à monarquia, mas sem dúvida seria bom que a classe política aprendesse com ela.
LER É O MELHOR REMÉDIO
Ontem no Observador, Vitor Bento escreveu um dos seus ensaios, desta vez com o título “Eleições e Reformas num
País onde o grupo ‘dependente do Estado’ é largamente maioritário”.
Venho há anos afirmando o mesmo e alertando para uma deriva “terceiro-mundista” que assim gradualmente se instala. Não posso estar mais de acordo com o que Vitor Bento escreve, e a clareza e rigor tornam o texto – para quem concorde, discorde ou queira apenas ficar melhor informado – de leitura obrigatória.
A PERGUNTA SEM RESPOSTA
O ex-Diretor Geral da Energia, Mário Guedes, já no tempo do PS, veio dizer no Observador que o fim da produção de eletricidade a partir do carvão e a subida dos preços do gás natural, obrigaram a compensar com uso intensivo da produção hídrica, o que acentuou o problema da seca por esvaziar as barragens.
O Secretário de Estado da Energia, João Galamba, respondeu, negando tudo com 2 tweets.
Sou contra o carvão, mas acho que não sou totalmente destituído de senso comum. Galamba não me convenceu, mas aparentemente convenceu toda a gente, pois o assunto esfumou-se como se numa manhã de nevoeiro.
A pergunta é: atenta a apregoada necessidade de escrutínio à maioria absoluta e a importância enorme do tema para a produção e o consumo, o que se significa o silêncio que se seguiu? Resignação dos media, medo de desagradar dos jornalistas, não haver espaço perante a prioridade aos dramas internos do PAN e às provocações do Chega?
Não sei responder, mas desagrada-me que o poder político nos corra a tweets e acabemos a agradecer, espero que não de joelhos ou a rastejar…
A LOUCURA MANSA
A eleição, ou não, de um Vice-presidente da Assembleia da República indicado pelo Chega tem entretido os debates.
Fiel à sua estratégia, Ventura quer acima de tudo que nenhum dos seus deputados seja eleito para um lugar sem qualquer importância real e depois vitimizar-se enchendo o espaço mediático.
A escolha de Diogo Pacheco de Amorim não foi inocente, foi uma provocação. Sou amigo dele há mais de 50 anos, sei que é um total absurdo dizer que foi terrorista e posso testemunhar que pelo menos nos três meses em que estive no MDLP (de finais de setembro a dezembro de 1975) a política oficial do Movimento era totalmente contra atentados.
Se fosse outra a política de Spínola, não apenas eu me afastaria, mas seguramente que ele também. Mas perguntem-lhe.
Mesmo que assim não fosse, nunca militantes do PCP ou do BE deixaram de ser eleitos para vice-presidentes da AR, apesar do comunismo, nas suas variantes, ter praticado o terrorismo de Estado numa escala ainda maior que o nazismo.
A loucura é, pois, ceder à provocação (acentuada com disparatas declarações sobre a raça branca dos portugueses, quando somos um povo miscigenado, e que são objetivamente racistas) e não querer perceber que a única forma de lutar contra o Chega é não pactuar com as ideias, mas não enfiar num gueto quem representa quase 400 000 eleitores. A não ser, claro, para aqueles a quem convenha que o Chega continue a crescer.