Opinião

As Causas. O cocktail de abril

António Costa olha para a Europa, dizem os que bebem do fino. A esquerda radical compara o MEL - Movimento Europa e Liberdade ao Adamastor. O “Estado PS” avança como uma septicémia. Marcelo canta Zeca Afonso à varanda com Otelo e faz um notável discurso refundador da 3ª República.

A história do Projeto Global de Otelo e das FP 25 de Abril está finalmente na ordem dia.

O que não faltam são temas interessantes. Mas, à cautela, mexer, mas não agitar, como com o Dry Martini de James Bond.

O FUTURO DE ANTÓNIO COSTA

Anda o país ocupado – ao que chegámos… - a adivinhar se António Costa quer rumar à Europa, em 2022, em 2024 ou se tudo isto é inventado pelos spin doctors do PS.

Para uns, esse é destino de quem está farto da “choldra” de que já se falava nos “Maias”, e que somos nós; para outros, é uma fuga às responsabilidades. Alguns anseiam por isso e outros (às vezes os mesmos…) temem que isso ocorra desde logo porque se querem ver livres de António Costa, mas estão apavorados que seja Pedro Nuno Santos o senhor que se segue.

Não sei o que lhe irá na cabeça, nas horas em que o Primeiro-ministro faz planos para mais de uma semana. Mas não tenho dúvida que há condições que terão de estar reunidas para os cenários se poderem concretizar.

Vamos, então, dar para este peditório.

Em primeiro lugar, creio que em 2022 é difícil que aconteça a ida do Primeiro-Ministro para a Europa. É irrealista pensar que quando a recuperação puder começar após a pandemia, Costa arranje um sarilho e entregue a tarefa a alguém sem legitimidade eleitoral e sem apoios no aparelho do PS.

Até Durão Barroso só ousou ir dois anos depois de ter ganho as eleições e “queimou-se” entre nós, como acontece quando um Presidente de Câmara deixa o seu terreno para se candidatar na cidade maior.

Em segundo lugar, a hipótese de 2024 seria também menos de um ano após a eleição legislativa prevista para outubro de 2023. Não será viável, a menos que Costa desistisse de liderar o PS nessa pugna eleitoral. Seria deixar a certeza da vitória em Portugal, à espera de uma conjuntura astral que é imprevisível e deixando de simbolicamente ser o rei da festa dos 50 anos da Revolução dos Cravos. Também me parece totalmente improvável.

Pelo contrário, se por causa uma crise orçamental houver eleições antecipadas no início de 2022 – e sobretudo se então conseguir maioria absoluta – Costa terá 2 anos e meio para preparar um sucessor e depois saltar para Presidente do Conselho ou até da Comissão (para esta última hipótese exigir-se-ia que o Grupo Socialista ganhasse a eleição para o Parlamento Europeu).

Essa preparação seria seguida por um ano e meio de liderança governamental do seu sucessor, o mesmo modelo que concretizou com Fernando Medina em Lisboa. E permitiria evitar Pedro Nuno Santos…

Ou seja, a minha tese é que se Costa tem ambições europeias precisa de eleições antecipadas em janeiro de 2022. Se não o fizer ou não o conseguir, resta-lhe ser Primeiro-Ministro até outubro de 2025 e desse modo bater o record de Cavaco Silva.

Por isso, quem se queira ver livre dele tem de arriscar deitar abaixo o governo daqui a 6 meses, mas arriscando também dar maioria absoluta ao PS. Vai ser divertido de seguir este tema…

A CONVENÇAO DO MEL É O ADAMASTOR?

Está o País da esquerda radical a repetir o que Camões escreveu ter sido a reação dos navegadores de Vasco da Gama perante o Adamastor: “Arrepiam-se as carnes e os cabelos/a mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo”.

Trata-se da ida de Sérgio Sousa Pinto, deputado do PS, à Convenção do “MEL - Movimento Europa e Liberdade”, onde também vai estar André Ventura.

Conheço bem Sérgio Sousa Pinto. Nada tem a ver com Ventura, nunca se aliaria a ele, o que defende é o necessário para evitar o sucesso do Chega e é intransigente na defesa da “Europa” e da “Liberdade”.

Sousa Pinto é um homem de esquerda, nunca fará parte da reconstrução da Direita, sem prejuízo de como Cidadão ser algo que não o deixará indiferente. É um Homem Livre, como poucos.

E posso dar o meu testemunho também, pois vou ser também orador. Poderia estar com Sérgio Sousa Pinto, mas não estaria com André Ventura.

Não faço parte de nenhum projeto de reorganização da Direita (no meu caso nem da Esquerda), mas como Cidadão estou preocupado com isso, como estou com o crescente risco da subida da Direita e da Esquerda radicais.

E o MEL – a que aderi como cidadão – nasceu sobretudo para defender o projeto europeu e a Liberdade e para ajudar a evitar a subida dos populismos ditos de Esquerda ou de Direita.

Por isso o extraordinário não é que defensores da Europa e da Liberdade se reúnam para debater os desafios que enfrentam. O que devia ser realçado como notícia é que André Ventura aceite ser orador num Congresso em que a generalidades dos presentes discorda dele e se mobilizam intelectualmente contra o que ele defende.

O que a esquerda moderada devia perceber é que há uma grande diferença entre debater com radicais e extremistas, ou aliar-se a eles. Debater é essencial para revelar as diferenças que deveriam ser insuperáveis. Quem se alia acaba sempre – revela-o a História – a ser fagocitado, à Esquerda ou à Direita, pelas ideias radicais.

Já a esquerda radical o que mais deseja é que pela aliança dos moderados com os radicais de cada lado, a contraposição política acabe a ser entre o que significa o BE e o que significa o Chega. Ou seja, desejam ambos aquilo que dizem horroriza-los…

A CONSTRUÇÃO DO “ESTADO PS” COMO SEPTICÉMIA

Costumo fugir de teorias da conspiração como me dizem que o Diabo foge da cruz. E desde sempre acho que os partidos, quando ocupam o Poder, usam-no para colocar correligionários que se distinguem por essa caraterística, a qual exige paciência, disciplina, fervor militante, jeito para lamber botas. Mas a maioria não sabe gerir, como é evidente, com qualidade, rigor e independência. Não se pode ter jeito para tudo.

No entanto, sabendo isso, confesso que fiquei estupefacto com uma reportagem de Rui Pedro Antunes e Miguel Carrapatoso, no Observador de 22 de abril, sobre as nomeações para a segurança social (“Como o PS não resistiu a tomar conta da máquina da Segurança Social”).

O que mais me impressionou foi que está montado um modelo abusivo e eficiente, quase diria “científico”: como existe uma entidade supostamente independente (CReSAP) que seleciona três nomes para cada nomeação, os quais podem não ser do agrado de quem manda, o que se faz é nomear alguém de modo interino, fazer arrastar o concurso e depois usar como curriculum o tempo exercido no cargo e ganhar o acesso à lista de 3 nomes, o que permite selecionar esse “apparatchik”.

Se fosse apenas na Segurança Social, dir-se-ia que era um abcesso que não afeta o organismo político e que facilmente pode ser isolado ou mesmo extirpado.

Só que o modelo é usado em toda a máquina do Estado e acentuado a nível autárquico (onde todos os partidos fazem o mesmo quando podem) e por isso podemos falar de uma septicémia, de uma infeção generalizada e em crescimento exponencial.

Tal como estão as coisas, tudo vai inexoravelmente aumentar no sentido da criação do “Estado PS”.

O PS controla o Estado central, a maioria das autarquias e quase todas as maiores, a máquina administrativa central e a regional, a RTP que vai ser dirigida por um aliado de sempre, tem forte implantação nas universidades, nos media, no professorado. No fundo, cada dia que passa controla mais fortemente as alavancas do Poder.

Como se isto não bastasse, temos a “bazuca”, o reforço do papel do Estado na economia, a implantação de uma estratégia assistencialista e distributiva, o ataque sistemático aos setores privado e social na educação, saúde, habitação e assistência social, a carga fiscal sobre as classes médias que acentua a proletarização, a dependência dos grupos empresariais do bem querer dos políticos.

Este modelo expande-se como uma pandemia e reforça-se em rede. Caminhamos a passos largos para um modelo terceiro-mundista de clientelismo como nunca tivemos.

Posso estar a exagerar? Queira Deus que sim, mas não acredito. E o teste do algodão é a anestesia gradual que, como uma intoxicação de gás, vai aumentando a resignação perante o que se torna crescentemente inevitável.

O ELOGIO

Ao Presidente Marcelo pelo excelente discurso feito na Assembleia da República. Uma notável peça de oratória, mas sobretudo o discurso fundador do que deveria ser a leitura histórica do 25 de abril de 1974.

De certa forma é o discurso refundador da 3ª República, o que lhe dá sentido e perspetiva histórica.

Ao longo da História, todos os regimes que resultam de uma rutura só se definem quando alguém os posiciona numa linha que é também de continuidade e de pacificação. Teria de ser feito por um presidente da República e só agora terá sido possível.

Seria interessante perceber porquê agora e só agora. Tema para futura reflexão.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Costumo receber comentários ao longo das semanas, de um modo geral com sugestões, por vezes com elogios e também com críticas. Todos me ajudam no meu trabalho e muitas vezes vos falo aqui do que soube desse modo.

Mas não creio que tenha recebido um texto que tanto me fizesse pensar como o que recebi no domingo (como sempre através do eficiente e profissional serviço de “Atendimento SIC”).

Um jovem de 29 anos, que teve história até ao 9º ano, disse-me que nunca tinha ouvido falar das FP 25 de Abril, das pessoas que esta organização terrorista assassinou e da ligação de Otelo Saraiva de Carvalho ao chamado “Projeto Global” que, nas palavras do seu próprio advogado no julgamento, fora concebido com o objetivo (em democracia…) da tomada do poder através de um processo de intervenção armada.

Isto revela muito sobre como se ensina História aos jovens e sobre a amnésia consciente que se quis lançar sobre o lado negro do homem que foi decisivo na noite de 25 de abril e que depois – basta lembrar o COPCON, de que se não fala também – fez muito para destruir a Liberdade que ajudara a implantar.

Eu próprio já não me lembrava, mas Otelo justificou os assassinatos a sangue frio cometidos pelas FP 25 de Abril comparando-os com o que chamava “terrorismo” do Estado perpetrado pela PSP e GNR e definindo os assassinatos das FP-25 de Abril como meros “atos de violência selecionada” muito menos graves do que as “ações brutais e indiscriminadas” das forças policiais do regime democrático.

Se não houvesse mais motivos, bastaria isso para se dever ler o livro de Nuno Gonçalo Poças, “Preso por um Fio – Portugal e as FP-25 de Abril”. Ele estabelece a história que ficara por fazer.

É que a pacificação pode justificar ouvir o Presidente da República cantar Zeca Afonso, à varanda, com Otelo no passado domingo, mas exige ao menos que se valorize este esforço presidencial lembrando o que ele dissera horas antes na Assembleia da República, que “é prioritário estudar o passado e nele dissecar tudo: o que houve de bom e o que houve de mau”.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

A pergunta hoje não é minha, mas do Diretor do EcoOnline, António Costa, num texto publicado ontem: “E as liberdades económicas?”

O texto está bem escrito e toca numa questão crucial. O espaço da liberdade económica real está a reduzir-se e pouca gente no espaço público parece preocupar-se.

Costa recorda o aumento da dívida pública, as nacionalizações, o regime previsto para o teletrabalho, o Programa de Estabilidade. E poderia sobretudo falar do empresariado a abdicar da Liberdade para ter Segurança… arriscando ficar sem nenhuma delas.

Por isso, em minha opinião a pergunta vai direitinha para as empresários, investidores, gestores e quadros superiores das empresas privadas.

A LOUCURA MANSA

O setor mais sacrificado com a COVID foi o que sustentou a geringonça, por permitir aumentar o emprego, as receitas fiscais e o investimento. Falo da hotelaria e da restauração.

Pois recentemente vi na televisão que muitos hostels não vão reabrir porque saiu regulamentação em novembro que tornou a atividade muito mais exigente do que nos outros países europeus. E os que reabrem terão de fazer investimentos vultuosos e reduzir a sua ocupação.

Está tudo doido? Ou o ministro da Economia e a secretária de Estado do Turismo já se tornaram meros verbos de encher?