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Opinião

Solidariedade, solidão

O polaco Adam Zagajewski era um homem muito parecido com a sua poesia: reservado, irónico, atento, delicado

Em poucos meses, morreram alguns dos maiores poetas europeus: o irlandês Derek Mahon, o italiano de dialecto milanês Franco Loi, o catalão Joan Margarit, o suíço francófono Philippe Jaccottet e o polaco Adam Zagajewski. Cruzei-me brevemente com três desses poetas, e editei um deles, Zagajewski. Trocámos algumas mensagens durante o processo de tradução e conheci-o quando veio a Lisboa. Era um homem muito parecido com a sua poesia: reservado, irónico, atento, delicado. Tinha uma característica que ele próprio identificou noutro grande poeta polaco, Zbigniew Herbert, “a serenitas humanista”. Essa qualidade exprimiu-a não apenas em poemas, mas também em ensaios, memórias e diários sem data nos quais deixou, sem grandes ênfases, uma pequena teoria da poesia. Em “Duas Cidades” (1991), por exemplo, escreveu sobre o “inefável cinismo da poesia”, sobre o mundo exterior enquanto “estratagema”. Como se tudo aquilo que os poemas descrevem (incluindo os sofrimentos individuais e as tragédias colectivas) fosse um pretexto: “O mundo interior, reino absoluto da poesia, tem a característica de ser inexprimível. É como o ar, que atravessa correntes e tensões, que determina mudanças de temperatura e tempestades, mas cujo traço fundamental continua a ser a absoluta transparência. O que pode fazer então o mundo interior se, a despeito da sua inefabilidade, aspira a exprimir-se? Usa um estratagema. Finge interessar-se, e interessar-se muito, pela realidade externa.”

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.