Os dois primeiros meses do ano somaram ao registo do IEFP cerca de 30 mil pessoas desempregadas, totalizando quase 432 mil no final de fevereiro. Más notícias expectáveis do confinamento e da falta de apoio às empresas, e que não mostram a realidade para lá dos indicadores tradicionais, pois não são incluídas as pessoas em situação de subemprego e “trabalhadores temporários que estão temporariamente sem trabalho”; as que desistiram de procurar emprego neste contexto e as que não estão em condições de aceitar no imediato uma proposta de trabalho (como quem tem pessoas a seu cargo ou quem está em confinamento ou em isolamento profilático). Em janeiro, todas estas situações totalizavam cerca de 750.000 pessoas - se juntarmos a este número o facto de haver cerca de 7 mil famílias com dois titulares de rendimentos em que ambas as pessoas do casal estão desempregadas, é difícil não perceber a profunda crise social em que já nos encontramos, com tendência a piorar.
Ainda assim, António Costa está tão convencido que vai salvar o país com encomendas e compras públicas que até se riu quando o confrontei com a falta de apoio às empresas que se tem verificado. Acompanhou o Primeiro-Ministro o coro bem ensaiado do Partido Socialista, dizendo que a economia se tem mostrado resiliente graças ao Estado (ignorando o esforço dos empresários), e do Ministro da Economia a dizer que o PRR está muito bem desenhado porque tem a mesma percentagem para as empresas que tinha o PT2020 (como se nessa programação as empresas tivessem sido obrigadas a fechar para salvar vidas).
Só em 2020 a economia perdeu 15,5 mil milhões de euros. Existem na famosa bazuca 16,6 mil milhões para recuperar. Se grande parte das perdas de 2020 aconteceram no setor privado - nas empresas, nos restaurantes, hotéis, comércios, espetáculos… - quão estatista tem de ser a visão do país para se continuar a defender que a fatia de leão dos fundos para a recuperação deve ir para o setor público, onde não se cortaram salários, não houve lay-off e onde não se perderam empregos. Mais, admitindo que fosse verdade o que tem vindo a ser apregoado há um ano de que os serviços públicos nunca pararam (“Estamos On”), porque não canalizar os recursos para os setores que tiveram de parar?...
A questão é que o Governo acha que o facto de alguns concursos públicos serem ganhos por algumas empresas é a forma de resolver o marasmo económico em que o país caiu - e vamos desconsiderar, por agora, os que vão ser ganhos por empresas estrangeiras, ou a questão de ver quais são as empresas que costumam ganhar reiteradamente estes concursos.... Esta visão afunilada é a demonstração de que o Governo não percebe nada do que se está a passar fora da visão estreita dos seus corredores…
Fazem já parte do anedotário nacional as estórias de empresários que nos anos noventa recebiam fundos comunitários para modernizar as suas empresas e acabavam por comprar Ferraris para si. Para além da questão legal e moral, há um erro de gestão nessa visão que é óbvio: aplicar o dinheiro na modernização das suas empresas permitiria reproduzir esse investimento em lucro a médio prazo, que daria para comprar muitos Ferraris...
O que vemos agora é esta atitude tacanha elevada a política de Estado pelo Governo: em vez de se investir em modernizar a economia, não se consegue ceder à tentação de gastar nos seus próprios serviços; querendo-se ignorar que ao investir na economia esse investimento seria reprodutivo e rapidamente o Estado conseguiria, pela via fiscal, os mesmos recursos para os seus planos de modernização dos serviços.
Como de nada serve um Ferrari numa estrada com buracos, de nada serve um Estado modernizadíssimo com uma economia em frangalhos… Ainda vamos a tempo de mudar...
A boa disposição da crise
Como de nada serve um Ferrari numa estrada com buracos, de nada serve um Estado modernizadíssimo com uma economia em frangalhos