Opinião

Diário da Peste. Manter a alegria acima de um certo limite

Diário da Peste,
15 de Maio

Manter a alegria acima de um certo limite.
Abaixo de uma certa quantidade, a máquina pára.
Fica cansada e dá um tiro na cabeça.
Austin, Texas, cerca de 250 pessoas protestaram contra a obrigação de ficar em casa.
Bandeiras dos Estados Unidos.
O rosto coberto, mas não por máscara.
Na boca, um lenço com a bandeira do país. Mão e arma.
No polegar e no indicador está a nervosa liberdade do sujeito.
Bastam dois dedos em funcionamento tenso para a liberdade de um colocar o tremor no outro.
Cartola canta:
“Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és”
Cartola deprime os humanos e os animais; as plantas e as paredes.
Imagino alguém que protege boca e nariz com a Constituição dos EUA à frente.
Um restaurante sueco no meio do campo com uma única mesa para um único vivo com fome.
Construir um deserto para colocar no centro uma mesa segura.
Não tem empregados.
Como um teleférico: a comida vem numa cesta por uma corda.
Um deserto para cada cidadão, pedem os mais exigentes.
Distância, distância.
Cartola deprime, mas os animais aqui da casa resistem.
Tentativa de tirar o capacete da cabeça da Roma. Umas horas de liberdade em redor do crânio - mas foi necessário voltar atrás.
Como se faz a uma cidade inteira ou a um país.
Um animal não consegue apenas olhar para uma ferida.
Nada na vida do animal é estética, tudo é urgência e socorro.
Tudo é ética, no animal, portanto. Nada nele dá atenção à beleza ou à fealdade.
Cartola:
“De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés.”
Estudo identificou 198 mutações do vírus.
Como se mudar fosse a forma de passar de um dia para o outro.
Muitas vezes os acossados não dormiam duas vezes na mesma casa.
Mudar endereço e cama para que o inimigo não bombardeie o nosso sono e a nossa insónia.
Um vírus nómada dentro de si próprio.
Ser nómada em casa, sem ninguém ver. 198 mutações num dia.
“Se tens mais de 35 anos e se ainda não aprendeste a tocar piano…”
Um anúncio
Não ouvi o final.
Projecto: 198 nomes para o vírus. Começar:
1 - Aquele que está na expectativa.
2 - O escondido.
3 - Aquele que não deixa sair.
4 - Aquele que não te deixa entrar.
5 - O que não deixa os vivos aproximarem-se do morto.
Continuar a fazer a lista, acreditar que encontrar o último nome do inimigo não é matá-lo, mas quase.
Usar no diário Hölderlin e Rilke como oráculos insólitos.
Que chegam depois do fim. Que já sabem.
Uma mulher enforcou-se numa varanda em Milão.
Rilke, hoje.
“Vizinho Deus, se muitas vezes te importuno
na noite longa com pancadas fortes, -
é só porque raro te ouço respirar
e sei que estás só na sala.”

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