O debate entre António Costa e Rui Rio não era necessariamente o mais importante. Duvido que haja muitos indecisos entre eles. E, apesar da tentativa de dramatização forçada já ter chegado ao delírio – Carlos César disse que o medo da maioria absoluta poderia levar a uma derrota de um PS que está com mais de 15% de vantagem sobre o PSD –, o vitorioso está mais do que decidido. Até porque tudo o que conta desde o nascimento da “geringonça” é saber quem consegue maioria parlamentar para governar. A única dúvida desta campanha é se o PS tem maioria absoluta e de quem depende se não a tiver: da esquerda ou do PAN.
Há uma questão que não afeta a governação, mas afeta o sistema partidário: se a direita é derrotada ou dizimada. Só por isso este debate tinha relevância. Quase só contava para Rui Rio. E só se Rui Rio encostasse António Costa às cordas é que recuperaria algum eleitorado do PSD. A direita não procura um primeiro-ministro, procura um líder para a oposição. A Costa só interessava que este debate não tivesse história. Nem uma vitória, que criaria a sensação de favas contadas e libertaria voto à esquerda, seria melhor do que nada para contar.
Rui Rio ficou muitíssimo longe do que precisava e a responsabilidade foi exclusivamente sua. A sua imagem sai bem deste debate? Sim, sai. Mas isso já estava feito há muito tempo. Não era isso que precisava. Precisava de uma vitória extraordinária que passasse uma imagem de força. Perdeu quase todas as oportunidades para um confronto que permitisse que o eleitorado de direita olhasse para ele como um verdadeiro líder da oposição. Partindo de patamares tão diferentes nas sondagens, Rio tinha que fazer o que não fez: levar Costa às cordas. Nem por um momento tal coisa pareceu ser sequer possível.
Ao fim de dez minutos de debate, Rui Rio já estava à defesa no caso do aeroporto, não conseguindo citar o seu programa e tendo Costa a fazê-lo. Até o ataque que tinha preparado, sobre a emigração, lhe correu mal. Quando falaram das contas públicas, Rui Rio tentou o que não vale muito a pena tentar mas às vezes tem de ser feito: ser contraintuitivo. Ou seja, dizer que, ao contrário de todas as opiniões internas e externas, as contas não estão assim tão boas. A sensação da “oportunidade perdida” perdeu-se algures ali no meio. Deixou para o fim, numa só frase, a degradação dos serviços públicos. Era por aí que poderia ir. Não foi. Já António Costa não perdeu muito tempo com tecnicidades, falou de emprego e rendimentos associados às “contas certas”. Sublinhou o que tinha para sublinhar.
Quando chegou aos impostos, esperava-se que Rio passasse a sério à ofensiva. É disso que falam os seus cartazes. Mas depois de dizer que os portugueses estão a pagar mais impostos, desviou-se para a balança comercial e para o investimento público. E até sublinhou coisas positivas do governo no campo onde tinha de esmagar. Quando Costa o atacou com a habitual acusação de que Passos quis ir além da troika, ele não respondeu com a tradicional acusação de que Sócrates levou o país à “bancarrota”. Nem na dança já coreografada conseguiu vencer. Depois, atacou o aumento do ISP, mas recuou com contrataque de Costa por causa da descarbonização. Improvisava, lançando ofensivas que não conseguia manter.
Chegou o tema do Serviço Nacional de Saúde e Rui Rio estava de novo a jogar em casa, podendo explorar a sensação de degradação do SNS. Costa disse que repôs tudo o que foi cortado. Para isso, fez a lista de investimentos que negam o que as pessoas sentem: que o SNS está pior. E referiu mais 11 mil profissionais contratados. Nem aí Rio recordou que a redução do horário comeu uma boa parte desse investimento. Pelo contrário, disse qualquer coisa como isto: não vou ser exagerado e dizer que isto está terrível. E explicou que podia dar os seus números e ficavam empatados. Mais uma vez, desaproveitou o momento para um golpe fatal. No caso das PPP na saúde, Rui Rio atacou bem, do ponto de vista da direita. Mas, mais uma vez, sabotou o seu argumento pondo-se a falar da fiscalização. Costa, a quem não interessava defender a posição da esquerda porque anda a pescar no eleitorado do centro, escudou-se na vontade dos privados e até na Constituição.
Curiosamente, a única vitória clara de Rio foi no pior terreno para si: a crise dos professores. Tinha preparado um ataque, como se deve fazer num debate: o aumento dos magistrados. Explicando que não vai dar aos mais fortes e recusar aos “mais fraquinhos”. Bom argumento, bem ilustrado: o pai professor em fim de carreira que tem um filho que entra para a magistratura a ganhar mais do que ele. Mas, sinal da falta de estratégia, a parte mais vocal da sua prestação foi mesmo no ataque ao Ministério Público, que não concorre a estas eleições.
Podem elogiar a sinceridade de Rui Rio. E ele passa, de facto, a imagem de que é um homem honesto, que não defende aquilo em que não acredita. Adorável e louvável. Mas quando tem a oportunidade de atacar, quando Costa lhe dá o flanco, nunca consegue. Rui Rio não tem killing instinct. Lançou a ideia da oportunidade perdida, do Estado em decadência e dos impostos altos. E todas morreram na praia. Porque não as explorou, de forma consistente, ao longo do debate. Porque não tinha uma narrativa para nos dar. E sem isso não há comunicação política. Há um tipo porreiro. A dada altura, já para o fim debate, Costa percebeu que estavam ali para conversar. Por mim, até consigo gostar de debates assim. Para Costa, melhor ainda. Este foi o debate que precisava. Ou melhor: não teve o debate que não queria. Não estou a dizer que António Costa ganhou o debate. Mas não me parece que o tenha perdido. E Rui Rio tinha de o ganhar por KO. Esteve a léguas disso. Permaneceu a imagem de um derrotado sério.