Opinião

Entre dois PSD, ganha o original

Um debate televisivo tem muito de teatral. Kennedy venceu Nixon, porque o republicano suava muito. Neste debate, o suor foi mais de Costa. Rui Rio esteve mais calmo e activo do que Costa. O primeiro-ministro mostrou sempre uma face tensa e o discurso preso do menino que decora a matéria. Quem não estivesse a par das sondagens até poderia dizer que é Rio quem vai à frente.

Rio esteve bem ao salientar que a pesada carga fiscal (a mais alta de sempre) não tem correspondência nos serviços do Estado, a começar no SNS. Foi cómico assistir à forma como Costa disse, sem se rir, que o SNS melhorou nestes anos. Rio esteve bem ao salientar que a relativa bonança destes anos se deve a uma conjuntura externa (política do BCE, turismo, etc.) e não aos méritos deste governo. Rio esteve bem em salientar que a riqueza per capita de Portugal tem caído vários patamares, ou seja, temos sido ultrapassados por países do centro e leste da Europa. Rio esteve bem ao salientar que voltámos ao nosso maior problema, o défice externo, isto é, já importamos mais do que exportamos. Rio esteve bem ao salientar a desordem na organização salarial do Estado: um professor em final de carreira ganha menos do que um magistrado em início de carreira. Rio esteve bem ao salientar a sua visão da sociedade: quem investe é o sector privado, as empresas, e não o Estado, sendo por isso fundamental uma redução de IRC.

Aliás, faltou aqui um golpe de asa a Rui Rio para apertar António Costa, para dizer que é o PS que se aproxima do PSD e não o inverso. É que Costa apresenta em 2019 o discurso clássico do PSD cavaquista: são as empresas que devem investir, diz o PS, devemos apostar nas exportações, diz o PS, o Estado deve ter rigor orçamental, diz o PS, devemos colocar a dívida nos 100% do PIB no final da próxima legislatura, diz o PS.

Esta evolução do PS de Costa e Centeno não é uma evolução para o centro, é uma evolução para a direita. Basta comparar com o discurso do PS em 2005 ou 2009 dominado pela obsessão do Estado enquanto motor. Claro que, depois, a visão do Estado social do PS é completamente socialista e estatista, por oposição à do PSD e CDS.

Mas, mesmo assim, a mudança de discurso do PS é brutal. É verdade que retira especificidade ao PSD, é verdade que devia conduzir o PSD para políticas mais à direita em muitas áreas (conversa para outra altura), mas confirma que a razão está e esteve sempre do lado do PSD: é o sector privado, e não o Estado, o motor da sociedade; ter contas certas não é tecnocracia, é respeito pelo futuro dos nossos filhos e netos. Ter em 2019 o PS a aceitar isto não é um pormenor. Mesmo que dê uma vitória eleitoral à dupla Costa/Centeno, este pormenor é uma vitória intelectual e geracional da direita.

Rio esteve bem quando ironizou (“por uma vez na vida, o PS acertou nas contas”), mas podia ter ido mais longe. É que chegámos a um momento paradoxal: a geringonça, a união das esquerdas, produziu a dupla do PS, Costa e Centeno, mais à direita de sempre. Ora, isto não deve assustar a direita. Pelo contrário, deve dar confiança à direita. É que neste debate entre dois PSD, o original e o avatar (o PS), ganhou o original, até no momento em que Rio recordou que as pessoas que formaram o PSD também combateram o Estado Novo. O pessoal político da Aliança Liberal também lutou pela democracia antes de 1974. Até por isso, este debate valeu a pena.