Porque grande parte da legislação aplicada em Portugal tem origem na União Europeia (UE), onde o Parlamento Europeu (PE) tem um papel decisivo enquanto codecisor conjuntamente com os representantes dos governos dos Estados-membros no Conselho, porque a UE tem impacto no nosso quotidiano, porque o populismo e o antieuropeísmo estão a crescer por toda a Europa, em vésperas das eleições para o PE é preciso mais do que nunca defender a UE, a democracia, o Estado de direito, a liberdade, os direitos humanos, valores que sempre nortearam o projeto europeu. O voto é a melhor forma de defendermos a UE.
A relevância destas eleições
O PE é a única das instituições da UE cujos 751 membros são eleitos por sufrágio directo e universal pelos cidadãos dos Estados-membros cada cinco anos. Tem sido recorrentemente afirmado que estas eleições, a decorrer entre os dias 23 e 26 de Maio, são as mais importantes de sempre. A principal razão prende-se com o crescimento, na grande maioria dos Estados-membros, dos partidos populistas e de extrema-direita, anti-UE, alguns já no poder e outros na oposição, colocando enormes desafios ao projeto europeu. Já nas últimas eleições de 2014 o mesmo perigo se antevia, tendo na altura levado à criação de um novo grupo político, “Europa das Nações e da Liberdade”, com 36 deputados. Atualmente, existem oito grupos políticos no PE.
As projecções apontam para a possibilidade de que estes partidos possam vir a constituir o quarto maior grupo político no PE. Perspectiva-se uma maior fragmentação político-partidária, com consequências numa maior dificuldade em conseguir maiorias estáveis, maior recurso a coligações, bem como o eventual bloqueio de medidas importantes como seriam, por exemplo, as sanções contra a Polónia ou a Hungria, a aprovação de acordos comerciais com países terceiros ou do quadro financeiro plurianual. Isto é, a participação destes partidos quer nos governos, quer nos parlamentos nacionais, quer no PE, vão acabar por influenciar toda a política da UE. Acresce que há forças políticas que já perceberam que é mais útil minar a UE, as suas instituições e valores por dentro, tentando alcançar objetivos políticos específicos que são importantes para eles, do que defenderem que o seu país saia da UE.
Combater a abstenção e o crescente desinteresse pela UE
Outro problema é o da abstenção. Em 2014, apenas 43,09% dos eleitores participou nas eleições para o PE, confirmando uma tendência desde as primeiras eleições para o PE em 1979. Portugal também não é exceção. Em 1987, a primeira vez que Portugal participou nas eleições para o PE, a taxa de abstenção foi de 27,8%; em 2014, confirmando uma tendência crescente, a taxa de abstenção foi de 66,2%.
Ora isto constitui um paradoxo. Por duas razões, primeiro porque o impacto das medidas e políticas da UE na vida quotidiana das pessoas tem aumentado substancialmente; segundo, porque, se até 1979 o PE assegurou a simples função de fórum de debate e de órgão consultivo (os seus membros eram designados pelos respetivos parlamentos nacionais), desde 1979, momento em que passou a ser eleito por sufrágio universal direto, ganhou importância e ao longo dos anos foi progressivamente dotado de maiores competências em termos legislativos e orçamentais que lhe permitem definir, em conjunto com o Conselho, a direção que o projeto europeu deve seguir. Isto é, vota-se cada vez menos quando o PE tem cada vez mais poderes. Refira-se, por exemplo, que em Março o PE aprovou por 560 votos a favor uma diretiva que impõe restrições aos produtos de plástico descartáveis.
Ora este paradoxo é estrutural: o crescente desinteresse e a falta de identificação e ligação dos cidadãos à UE, às suas instituições e políticas, deve-se à natureza “sui generis” do projeto europeu. Ou seja, temos um parlamento que representa o maior eleitorado transnacional do mundo, cerca de 508 milhões de pessoas, que tem importantes poderes legislativos, orçamentais e de controlo democrático, mas não existe uma verdadeira comunidade política transnacional nem um espaço público europeu. De facto, a UE não é um Estado, é uma organização onde estão integrados Estados, que por sua vez são legitimados por eleições nacionais, os debates públicos são nacionais, as campanhas são centradas em temas locais e as eleições para o PE assumem um carácter nacional, servindo muitas vezes para premiar ou castigar o governo respetivo. Apesar das inúmeras inovações e medidas introduzidas para aproximar o cidadão da UE, o divórcio e o desinteresse persistem. Este é um dos maiores desafios com que se defrontam atualmente quer as instituições da UE, quer os seus Estados-membros.
Pós-eleições europeias: preparar o futuro
É por isso que não podemos olhar para as eleições apenas como um acontecimento, mas como um processo. A UE (também os Estados) precisa urgentemente de cidadãos ativos que participem não apenas durante o período eleitoral, mas em todo o ciclo eleitoral. Mais do que implementar uma nova narrativa que se imponha à narrativa nacionalista e populista, e que mostre aos cidadãos as consequências da não Europa e porque é que a UE é importante e necessária, é crucial apostar na promoção do ensino e na aprendizagem sobre a UE em todos os níveis de escolaridade. Programas de mobilidade europeia, como o Erasmus, são muito importantes, mas há que aprender, comunicar e falar mais sobre os benefícios da pertença à UE.
Temos a tendência de centrar a nossa atenção no local, depois no regional, no nacional e só por último no europeu. Acrescentaria o global. Pensar Portugal e a UE é situá-los no mundo mais vasto, que é global e cada vez mais incerto e contestado. O mundo mudou e perante o jogo das grandes potências como a China, a Rússia e os EUA, perante o iliberalismo e o protecionismo crescentes, a UE faz cada vez mais sentido; face à globalização, à perda de poder e influência dos Estados, faz sentido, porque há problemas que só coletivamente podem ser enfrentados. Mais, faz sentido em áreas onde os Estados-membros individualmente nunca poderiam agir como, por exemplo, no caso do sistema de navegação por satélite Galileo, que não poderia ser financiado por nenhum Estado-membro individualmente.
A importância do voto e da escolha
É recorrente ouvirmos dizer que tem de haver uma refundação do projeto europeu, que a reforma da UE tem de ser feita, porque não tem sabido ir ao encontro das expectativas dos cidadãos, porque tem estado envolvida em diversas crises (dívidas soberanas, refugiados, “Brexit”, etc.). Mas quando temos oportunidade de participar na escolha dos nossos representantes são muitos os que optam por não fazê-lo, seja por desinteresse, desconfiança, descontentamento ou protesto. Este problema não é novo, como vimos supra, expresso na crescente taxa de abstenção nas eleições para o PE.
Ora o voto traduz sempre uma escolha: escolher quem nos vai representar, falar e decidir em nosso nome. Isto é válido tanto para estas eleições como para as eleições legislativas onde escolhemos representantes que defendem os nossos interesses nas outras instituições da UE, designadamente no Conselho Europeu e Conselho da UE. Votar nas eleições para o PE é votar pela UE. Votar a favor da UE é votar a favor de Portugal.
A principal escolha a fazer é entre partidos políticos, que continuam o esforço para construir a UE, e aqueles que querem destruí-la e voltar a um passado nacionalista, ao unilateralismo e ao fechamento. É da maior importância que o eleitorado conheça esta diferença, pois o voto é a melhor forma de defender a UE e os seus valores demoliberais. Quando a democracia está em declínio por todo o mundo, é preciso mais do que nunca defender a UE e celebrar a UE, relembrar a sua razão de ser e de não dar nunca como garantidas a paz, a liberdade e a estabilidade na Europa. Apesar da crise financeira e económica de 2008, a UE é uma das economias mais prósperas do mundo, onde o nível de vida nos respetivos Estados-membros continua a ser dos mais elevados, onde mais se gasta a nível de protecção social e uma das zonas onde há mais democracia, liberdade e respeito pelos direitos humanos. Votar é defender a UE, defender o nosso futuro comum. É isto que está em jogo nestas eleições.
*Andreia Soares e Castro é doutorada em Relações Internacionais pelo ISCSP-ULisboa, onde é Professora Auxiliar.