“Não [é possível] atingir sucessivamente uma caravana de três veículos não militarizados ao longo de um quilómetro de estrada por acidente”, afirmou esta terça-feira Jeremy Konyndyk, presidente da organização Refugees International, reagindo ao ataque israelita de hoje contra funcionários de uma organização de direitos humanos, no centro de Gaza: sete civis que distribuíam comida para a World Central Kitchen foram mortos.
“Isso só é possível promovendo uma cultura militar que trata Gaza como um local de tiro livre, e oferecendo total total impunidade em casos de ataques a civis”, completou o especialista, que foi funcionário da Agência para o Desenvolvimento Internacional durante as administrações de Barack Obama e de Joe Biden.
Aliás, Konyndyk criticou o seu ex-chefe e inquilino da Casa Branca: “O Presidente Biden e os seus assessores sabem [que Israel não protege vidas civis], mas continuam a enviar armas às forças israelitas. Este é o resultado inevitável disso.”
As vítimas eram da Austrália, Polónia, Reino Unido, um cidadão com dupla nacionalidade norte-americana e canadiana, e uma pessoa palestiniana.
"Nada poderá justificar esses ataques. Mas nada pode justificar a punição coletiva do povo palestiniano em Gaza", frisou António Guterres, secretário-geral da ONU, lembrando que a invasão de Telavive já matou 196 voluntários desde outubro, incluindo 175 funcionários das Nações Unidas. O português reforçou o pedido por um cessar-fogo.
Horas antes, a porta-voz da Casa Branca lamentou o ataque e sublinhou que vai enviar uma “mensagem forte a Israel” apelando à proteção de trabalhadores humanitários. No entanto, Washington sublinhou a falta de provas para rejeitar que o ataque tenha sido intencional – apoiando assim as palavras de Netanyahu.
"Infelizmente, no último dia houve um caso trágico em que as nossas forças atingiram involuntariamente pessoas inocentes na Faixa de Gaza", afirmou o primeiro-ministro de Israel, prometendo uma investigação exaustiva – algo que países como o Reino Unido e o Canadá já exigiram, mas conduzida de forma independente e não pelas autoridades israelitas.
Israel já destruiu 97% do PIB palestiniano
A Faixa de Gaza e os restantes territórios palestinianos ocupados perderam cerca de 97% da riqueza que produzia anualmente desde o início dos ataques israelitas, em outubro. A conclusão é de um relatório publicado hoje pelo Banco Mundial em conjunto com a União Europeia e as Nações Unidas.
Os prejuízos estimados em infraestruturas críticas do enclave já ascendem a 17,1 mil milhões de euros, aponta o relatório, que é a primeira tentativa de contabilizar as consequências dos bombardeamentos e combates levados a cabo nos primeiros três meses e meio de guerra.
A destruição de habitações representa a maior parte das infraestruturas críticas destruídas (72%), à frente de equipamentos de saúde, educação, água e eletricidade (19%), sendo a restante relativa a estabelecimentos comerciais e industriais.
Dos 2,2 milhões de pessoas registadas na Faixa de Gaza antes do início do conflito, mais de um milhão ficou sem abrigo. Este número é o dobro da última estimativa conhecida, publicada em dezembro.
Quanto aos equipamentos de saúde, 84% foram destruídos ou danificados, contra 60% no final de 2023. Os que ainda funcionam quase não têm água nem eletricidade para tratar doentes ou feridos – sendo que a desnutrição é um problema que atinge toda a população.
O sistema de água corrente e de saneamento funciona apenas com 5% da sua capacidade desde o início de outubro, e o sistema educativo de Gaza entrou em colapso total, com todas as crianças do território fora da escola.
Embora metade da rede rodoviária tenha sido destruída em meados de dezembro, o valor subiu agora para 92% da rede rodoviária primária, enquanto a rede de telecomunicações está "seriamente afetada".
Outras notícias
> Segundo o ministro da Educação palestiniano, Israel já matou mais de 6 mil estudantes desde o início do conflito. Mais de 10 mil ficaram feridos, e outros 105 foram e continuam detidos.
> O grupo xiita libanês Hezbollah anunciou que lançou vários foguetes contra a cidade israelita de Gesher Haziv, a cerca de seis quilómetros da fronteira com o Líbano. Segundo a nota do grupo próximo do Hamas, o ataque foi uma resposta às ações israelitas contra aldeias no sul do Líbano. É o quinto ataque do Hezbollah contra Israel nas últimas 24 horas, e um dos que teve maior escala desde outubro.
> Depois do governo de Israel ter prometido o fim da emissão da Al Jazeera no país, o canal de televisão defendeu-se: "Calúnias e acusações não vão impedir que continuemos a nossa cobertura de forma ousada e profissional, e reservamos todos os nossos direitos legais", afirmou fonte oficial do canal catari, um dia depois do Knesset ter aprovado uma lei que prevê a censura de órgãos de comunicação social que sejam considerados “inimigos do estado”.
> A União Europeu criticou a censura: a liberdade de imprensa "tem de ser garantida em todo o lado, incluindo em contextos de guerra", notou hoje em comunicado o Serviço Europeu de Ação Externa, chefiado pelo alto representante UE para a Política Externa e de Segurança, Josep Borrell. No início da guerra contra a Ucrânia, Bruxelas proibiu a emissão de canais russos afetos ao Kremlin (a Al Jazeera é detida pelo estado do Catar, mas é um órgão independente).