Guerra no Médio Oriente

Israel matou mais 7 voluntários em Gaza, mas: “Não se atinge três veículos civis ao longo de um quilómetro por acidente” (guerra, dia 179)

Ataque contra funcionários da organização World Central Kitchen foi “acidente”, afirmou Netanyahu – mas António Guterres lembra que Telavive já matou 196 voluntários, incluindo 175 funcionários da ONU. Alemanha e Reino Unido pedem investigação independente, Casa Branca fala em falta de provas. Tropas israelitas já mataram mais de 6 mil estudantes palestinianos

NurPhoto

“Não [é possível] atingir sucessivamente uma caravana de três veículos não militarizados ao longo de um quilómetro de estrada por acidente”, afirmou esta terça-feira Jeremy Konyndyk, presidente da organização Refugees International, reagindo ao ataque israelita de hoje contra funcionários de uma organização de direitos humanos, no centro de Gaza: sete civis que distribuíam comida para a World Central Kitchen foram mortos.

“Isso só é possível promovendo uma cultura militar que trata Gaza como um local de tiro livre, e oferecendo total total impunidade em casos de ataques a civis”, completou o especialista, que foi funcionário da Agência para o Desenvolvimento Internacional durante as administrações de Barack Obama e de Joe Biden.

Aliás, Konyndyk criticou o seu ex-chefe e inquilino da Casa Branca: “O Presidente Biden e os seus assessores sabem [que Israel não protege vidas civis], mas continuam a enviar armas às forças israelitas. Este é o resultado inevitável disso.”

As vítimas eram da Austrália, Polónia, Reino Unido, um cidadão com dupla nacionalidade norte-americana e canadiana, e uma pessoa palestiniana.

"Nada poderá justificar esses ataques. Mas nada pode justificar a punição coletiva do povo palestiniano em Gaza", frisou António Guterres, secretário-geral da ONU, lembrando que a invasão de Telavive já matou 196 voluntários desde outubro, incluindo 175 funcionários das Nações Unidas. O português reforçou o pedido por um cessar-fogo.

Horas antes, a porta-voz da Casa Branca lamentou o ataque e sublinhou que vai enviar uma “mensagem forte a Israel” apelando à proteção de trabalhadores humanitários. No entanto, Washington sublinhou a falta de provas para rejeitar que o ataque tenha sido intencional – apoiando assim as palavras de Netanyahu.

"Infelizmente, no último dia houve um caso trágico em que as nossas forças atingiram involuntariamente pessoas inocentes na Faixa de Gaza", afirmou o primeiro-ministro de Israel, prometendo uma investigação exaustiva – algo que países como o Reino Unido e o Canadá já exigiram, mas conduzida de forma independente e não pelas autoridades israelitas.

Israel já destruiu 97% do PIB palestiniano

A Faixa de Gaza e os restantes territórios palestinianos ocupados perderam cerca de 97% da riqueza que produzia anualmente desde o início dos ataques israelitas, em outubro. A conclusão é de um relatório publicado hoje pelo Banco Mundial em conjunto com a União Europeia e as Nações Unidas.

Os prejuízos estimados em infraestruturas críticas do enclave já ascendem a 17,1 mil milhões de euros, aponta o relatório, que é a primeira tentativa de contabilizar as consequências dos bombardeamentos e combates levados a cabo nos primeiros três meses e meio de guerra.

A destruição de habitações representa a maior parte das infraestruturas críticas destruídas (72%), à frente de equipamentos de saúde, educação, água e eletricidade (19%), sendo a restante relativa a estabelecimentos comerciais e industriais.

Palestinianos caminham entre edifícios danificados junto ao hospital
Anadolu

Dos 2,2 milhões de pessoas registadas na Faixa de Gaza antes do início do conflito, mais de um milhão ficou sem abrigo. Este número é o dobro da última estimativa conhecida, publicada em dezembro.

Quanto aos equipamentos de saúde, 84% foram destruídos ou danificados, contra 60% no final de 2023. Os que ainda funcionam quase não têm água nem eletricidade para tratar doentes ou feridos – sendo que a desnutrição é um problema que atinge toda a população.

O sistema de água corrente e de saneamento funciona apenas com 5% da sua capacidade desde o início de outubro, e o sistema educativo de Gaza entrou em colapso total, com todas as crianças do território fora da escola.

Embora metade da rede rodoviária tenha sido destruída em meados de dezembro, o valor subiu agora para 92% da rede rodoviária primária, enquanto a rede de telecomunicações está "seriamente afetada".

Outras notícias

> Segundo o ministro da Educação palestiniano, Israel já matou mais de 6 mil estudantes desde o início do conflito. Mais de 10 mil ficaram feridos, e outros 105 foram e continuam detidos.

> O grupo xiita libanês Hezbollah anunciou que lançou vários foguetes contra a cidade israelita de Gesher Haziv, a cerca de seis quilómetros da fronteira com o Líbano. Segundo a nota do grupo próximo do Hamas, o ataque foi uma resposta às ações israelitas contra aldeias no sul do Líbano. É o quinto ataque do Hezbollah contra Israel nas últimas 24 horas, e um dos que teve maior escala desde outubro.

> Depois do governo de Israel ter prometido o fim da emissão da Al Jazeera no país, o canal de televisão defendeu-se: "Calúnias e acusações não vão impedir que continuemos a nossa cobertura de forma ousada e profissional, e reservamos todos os nossos direitos legais", afirmou fonte oficial do canal catari, um dia depois do Knesset ter aprovado uma lei que prevê a censura de órgãos de comunicação social que sejam considerados “inimigos do estado”.

> A União Europeu criticou a censura: a liberdade de imprensa "tem de ser garantida em todo o lado, incluindo em contextos de guerra", notou hoje em comunicado o Serviço Europeu de Ação Externa, chefiado pelo alto representante UE para a Política Externa e de Segurança, Josep Borrell. No início da guerra contra a Ucrânia, Bruxelas proibiu a emissão de canais russos afetos ao Kremlin (a Al Jazeera é detida pelo estado do Catar, mas é um órgão independente).