Guerra no Médio Oriente

Líder do Hezbollah não declarou guerra total, mas deixa aviso a Israel: “Todos os cenários estão em aberto na nossa frente sul libanesa”

Os primeiros comentários públicos do líder do Hezbollah desde que a guerra começou incluíram uma demonstração de apreço pelo ataque lançado pelo Hamas contra Israel e um aviso de que a possibilidade de escalada se mantém na equação. Mas, para já, o foco serão as ações na fronteira sul do Líbano. “A nossa operação forçou o inimigo a concentrar o seu pessoal, forças e equipamento nas nossas fronteiras que era suposto destacar para Gaza”, sublinhou no seu discurso

EPA / WAEL HAMZEH

Quase um mês depois do ataque lançado pelo Hamas a Israel – e do arranque dos bombardeamentos de retaliação e do cerco à Faixa de Gaza – a voz de Sayyed Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, fez-se ouvir.

“Há quem alegue que estamos prestes a entrar na guerra. Estou a dizer-vos que nos envolvemos na guerra desde 8 de outubro”, disse Nasrallah, num discurso transmitido pela televisão e que durou mais de uma hora. O líder do Hezbollah disse que a resistência islâmica no Líbano começou no dia seguinte à “operação tempestade Al-Aqsa”, lançada pelo Hamas a 7 de outubro, e que está a monitorizar as operações na zona fronteiriça.

Apesar da escalada de tensões na fronteira entre o Líbano e Israel, esta foi a primeira intervenção pública de Nasrallah desde que a guerra começou. O movimento xiita Hezbollah no Líbano – um dos aliados do Irão – já abriu fogo contra posições militares israelitas desde o início da guerra, em zonas de tensão na fronteira.

“Quem diz que o Hezbollah deve envolver-se rapidamente numa guerra total com o inimigo pode encarar aquilo que que acontece na fronteira como mínimo, mas se olharmos objetivamente para o que está a acontecer vemos que é considerável. Ainda assim asseguro-vos que nisto não será o fim. Isto não será suficiente”, lançou.

O Hezbollah disparou rockets e morteiros contra postos israelitas, disse que usou um míssil para abater um drone israelita na fronteira sul do Líbano, e deixou uma promessa de escalada caso Israel lançasse uma invasão terrestre na Faixa de Gaza. “Se Israel continuar a política de terra queimada [em Gaza], vai acelerar a abertura de uma frente no Líbano”, afirmou um responsável pelas relações entre as fações palestinianas e o Hezbollah, citado pelo jornal ‘Le Monde’, dias após o ataque lançado pelo Hamas.

O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês) descreveu no relatório diário de quinta-feira que o Hezbollah libanês e o Irão tinham criado expectativas no contexto informativo de que Nasrallah iria anunciar uma escalada do conflito “que podia incluir um aumento do volume de ataques do Hezbollah ou usar sistemas militares mais avançados contra Israel”. Apesar de isto não se ter verificado, Nasrallah considerou-o como uma hipótese.

“Todos os cenários estão em aberto na nossa frente sul libanesa”, disse o líder do Hezbollah. “Todas as opções estão definidas e podemos adotá-las em qualquer altura”, acrescentou.

Para já, Nasrallah procurou explicar como é que as ações em curso na fronteira ajudavam a causa palestiniana, dizendo que desviaram forças de elite que se destinavam a Gaza para a fronteira com o Líbano. “Isto significa que a nossa operação forçou o inimigo a concentrar o seu pessoal, forças e equipamento nas nossas fronteiras que era suposto destacar para Gaza”, observou.

Pelo caminho deixou um alerta a Israel: “se pensarem em lançar um ataque preventivo contra o Líbano será o ato mais insensato da história da vossa existência”. O líder xiita sublinhou o receio gerado pelas ações na fronteira, quanto à possibilidade de o conflito escalar para uma guerra total, e observou que “esta é uma possibilidade realista”, indicando que os israelitas devem ter isto em consideração.

Mas Israel não foi o único país alvo de atenção no discurso. O líder acusou os Estados Unidos de serem “totalmente responsáveis” pela agressão à Faixa de Gaza e de impedirem um cessar-fogo. “Os EUA devem ser responsabilizados e penalizados”, defendeu.

EPA / WAEL HAMZEH

Nasrallah alegou que os Estados Unidos lançaram ameaças ao Líbano e ao movimento de resistência na região que considera “escusadas”. Dirigindo-se aos “americanos”, recordou-lhes o que aconteceu anteriormente no Líbano, no Iraque e na “saída humilhante do Afeganistão”, antes de dizer que “pagarão um preço pesado” se rebentar uma guerra total.

Outra das mensagens reiteradas por Nasrallah foi a de que o Hezbollah não estava a par dos planos de ataque do Hamas, apesar de ter elogiado a incursão que causou a morte a 1400 pessoas. “Esta operação gloriosa e abençoada de larga escala foi 100% palestiniana em termos de decisão e execução”, lançou. Nesse sentido, afastou a possibilidade de a operação estar relacionada com outras causas regionais ou internacionais e disse que apesar do apoio do Irão, as decisões são tomadas pelos líderes da resistência.

No início da sua intervenção descreveu ainda o porquê do apoio à decisão do Hamas e de considerar a guerra "legítima do ponto de vista humanitário, ético e religioso”. “Não havia outra opção. A outra opção era o silêncio, esperar por mais opressão, mais cercos, mais morte”, descreveu. Enumerando desafios enfrentados pelo povo palestiniano – dos colonatos às restrições que há anos mantêm “um campo de concentração a céu aberto” – Nasrallah considerou que “todo o mundo virou a cara”. Uma crítica que inclui a União Europeia.

O Hezbollah – cujo nome significa “partido de deus” – é uma organização militar e um partido político, situado no Líbano. Foi criado no início dos anos 80 durante a guerra civil libanesa e a ligação a atentados no passado valeu-lhe a classificação como grupo terrorista na lista do Departamento de Estado americano, a 8 de outubro de 1997.

“Nos últimos anos, alianças antigas com o Irão e a Síria transformaram o Hezbollah numa força militar cada vez mais eficaz, que os especialistas dizem que representa um enorme desafio em caso de uma nova luta contra Israel, seu inimigo de longa data”, descreve o Council on Foreign Relations.

Hassan Nasrallah assumiu a liderança da organização em 1992, ano em que o partido passou a participar em eleições libanesas, depois de Israel ter assassinado o cofundador do grupo Abbas Al-Musawi. A política estratégica anunciada em 2009, em que a organização moderava a retórica islamita, manteve o mesmo tom contra Israel e os Estados Unidos, escreveu na altura a Reuters. “Israel representa uma ameaça constante e um perigo iminente ao Líbano”, dizia o documento, citado pela agência noticiosa.