Guerra no Médio Oriente

Em Gaza, os pais colocam fitas coloridas nas crianças para as reconhecerem caso morram

Com os enterros em valas comuns devido à incapacidade de identificar todas as vítimas, as famílias em Gaza optam por colocar fitas coloridas nas crianças e entes queridos, assim como escrever os nomes nos braços e pernas, numa tentativa de identificá-los, caso morram

A filha do palestiniano Ali Daba mostra a sua pulseira no seu abrigo em Khan Younis, no sul de Gaza
IBRAHEEM ABU MUSTAFA

Com vários mortos não identificados a serem enterrados em valas comuns, assinalados apenas com um número, os palestinianos em Gaza recorrem ao que têm para tentar prevenir que os seus filhos e outros familiares sejam enterrados nestas condições. Algumas famílias colocam pedaços de tecidos coloridos em redor dos pulsos das crianças ou escrevem o nome nos braços e nas pernas, noticia a agência Reuters. Uma medida necessária caso faleçam e não haja como identificá-las.

A família El-Daba decidiu separar-se com receio de que morram todos num ataque. Ali El-Daba, de 40 anos, ficou com três filhos em Khan Younis, no sul de Gaza, enquanto a esposa, Lina, de 42 anos, ficou com os restantes quatro filhos na Cidade de Gaza, no norte. Ali El-Daba explicou à Reuters que comprou fitas azuis para fazerem pulseiras de identificação, que colocaram em ambos os pulsos. “Se acontecer alguma coisa”, disse, “desta forma, eu vou reconhecê-los”.

Até agora, pelo menos, 6.546 palestinos em Gaza foram mortos, dos quais mais de 2.700 são crianças, segundo a UNICEF.

Com muitas vítimas impossíveis de reconhecer, os clérigos muçulmanos autorizaram os enterros coletivos em valas comuns. Antes do enterro, os médicos recolhem amostras de sangue, os mortos são fotografados e são-lhes atribuídos números. A esperança das famílias é a de que as marcas de identificação, que estão a ser colocadas nas crianças e noutros familiares, evitem este destino.

"Nenhum lugar é seguro em Gaza"

Embora, quase sem combustível, água, eletricidade e outros elementos básicos para a sobrevivência, os habitantes da Faixa Gaza não tem por onde escapar. Nem Israel, nem o Egito aceitam os milhares de refugiados de Gaza. Além disso, Israel ordenou, no dia 13, a retirada dos civis da região norte, contudo muitos morreram em ataques mais a sul.

"Quando as rotas de evacuação são bombardeadas, quando as pessoas, tanto a norte como a sul, são apanhadas nas hostilidades, quando falta o essencial para a sobrevivência e quando não há garantias de regresso, as pessoas são deixadas com nada além de escolhas impossíveis", declarou Lynn Hastings, coordenadora dos assuntos humanitários da ONU para os territórios palestinianos ocupados, numa declaração. Afirmou ainda que "nenhum lugar é seguro em Gaza".

Um porta-voz militar israelita, citado pela Reuters, explica que ”em última análise, o Hamas entrincheirou-se entre a população civil em toda a Faixa de Gaza”. Quando surge um alvo do Hamas, o exército age “para impedir as capacidades terroristas do grupo, ao mesmo tempo que tomam as devidas precauções para mitigar os danos causados aos civis não envolvidos".

As condições deverão ainda agravar-se quando as reservas de combustível terminarem. Como os geradores de eletricidade de reserva funcionarem apenas a combustível, os sistemas de água vão falhar, assim como os hospitais.

A ajuda humanitária tem entrado por Rafah, no Egito, mas, de acordo com uma análise efetuada da organização Oxfam, publicada pelo “Washington Post”, desde o início do conflito apenas 2% dos alimentos fornecidos chegaram a Gaza.

Cerca de 1,4 milhões de pessoas dos 2,3 milhões habitantes de Gaza estão deslocados internamente, segundo dados da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos, ou UNRWA. Mais de 613.000 deslocados encontram-se nas instalações desta organização. As condições de saúde têm vindo a degradar-se, com o registo, na semana passada, de aproximadamente 7.000 casos de infeções respiratórias agudas, cerca de 3.000 casos de diarreia e centenas de casos de sarna e piolhos.

Texto de Eunice Parreira editado por João Cândido da Silva