Guerra no Médio Oriente

Depois de semana de contradições, União Europeia tenta encontrar uma só voz para falar de Israel e Palestina

Avanços e recuos da Comissão, críticas a Ursula von der Leyen, reuniões extraordinárias e uma resolução parlamentar. Eis como a Europa procura alinhar-se perante um novo conflito

Ursula von der Leyen no debate do Parlamento Europeu sobre a situação em Israel e Palestina
Alain ROLLAND

Depois de uma semana de mensagens contraditórias, a União Europeia parece estar a aproximar-se de uma posição mais unificada no que diz respeito ao conflito entre Israel e Hamas.

Esta quarta-feira, o tema esteve em debate na sessão plenária do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, e contou com a presença de Ursula von der Leyen. A presidente da Comissão Europeia tem estado sob ataque pela forma como tem gerido o conflito.

Ao discursar no hemiciclo, a presidente da Comissão Europeia informou que a UE vai triplicar o apoio à Faixa de Gaza, de 25 para 75 milhões de euros. E anunciou, também, a criação de uma ponte aérea para enviar ajuda humanitária através do Egito.

“A UE sempre foi o maior doador internacional para a Palestina e isso não vai mudar”, garantiu Ursula von der Leyen. “O Hamas é um grupo terrorista e o povo palestiniano está a sofrer às mãos do Hamas. Os atos do Hamas estão totalmente desligados das aspirações do povo da Palestina”, considerou Ursula von der Leyen.

Ursula von der Leyen acusada de “preconceito inaceitável”

Estes anúncios mostram, contudo, um recuo por parte da Comissão Europeia. No início da semana passada, o alto comissário com a pasta do Alargamento avançou com uma suspensão total do apoio financeiro aos palestinianos, mas horas mais tarde (e após duras críticas de vários países e outros comissários) reverteu a decisão.

A presença de Ursula von der Leyen em Estrasburgo aconteceu, também, dias após a polémica visita a Israel, na sexta-feira passada, na qual esteve também presente a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola. A presidente da Comissão condenou os ataques do Hamas e reconheceu o direito de defesa de Israel, mas foi fortemente criticada por não ter explicitamente falado das consequências humanitárias provocadas pela resposta israelita aos ataques do Hamas.

As vozes críticas não tardaram a apontar que esta posição não refletiu a União Europeia como um todo. Iratxe García, líder do grupo Socialistas & Democratas (bancada na qual se sentam os deputados eleitos pelo PS) chegou a acusar, em declarações ao Politico, as líderes europeias de um “preconceito inaceitável” favorável a Israel.

Um dia depois, no domingo, Ursula von der Leyen veio a público sublinhar a importância da resposta de Israel acontecer dentro dos limites da lei e a urgência de fornecer apoio humanitário à Faixa de Gaza.

Desta forma, a presidente da Comissão Europeia aproximou o discurso da posição repetida pelos estados-membros e restantes instituições da UE.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, por exemplo, sublinhou na semana passada que a “lei internacional e a lei internacional humanitária têm de ser respeitadas”. E reiterou precisamente este ponto na terça-feira, na conferência de imprensa após a cimeira extraordinária dos líderes da UE, em que apontou que o corte no abastecimento de água, alimentos e eletricidade “não está em conformidade com o direito internacional".

Na mesma linha, o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros condenou desde os primeiros dias o avanço de Israel sobre Gaza, considerando que algumas das decisões do país na sua defesa “são contrárias à lei internacional”. Também presente no debate em Estrasburgo desta quarta-feira, Josep Borrell reiterou novamente este ponto: “as guerras são coisas terríveis mas têm regras”.

Votação quente no Parlamento Europeu

Do lado do Parlamento Europeu, o conflito foi um dos temas incontornáveis da agenda da sessão plenária desta semana. Depois de longas negociações, o Parlamento Europeu (PE) chegou ao texto final que foi votado na manhã desta quinta-feira.

A resolução sobre os “ataques terroristas desprezíveis do Hamas contra Israel, o direito de Israel de se defender em conformidade com o direito humanitário e internacional e a situação humanitária em Gaza” condena veementemente os ataques e “reitera a necessidade de eliminar a organização terrorista Hamas”.

Pede a libertação “imediata e incondicional” de todos os reféns e demonstra “profunda preocupação com a rápida deterioração da situação humanitária na
Faixa de Gaza", alertando que a Comissão deve apoiar financeiramente mas tomando precauções para garantir que não está a financiar direta ou indiretamente o Hamas.

No texto, o PE reconhece o “direito de Israel à autodefesa conforme consagrado e limitado pelo direito internacional”. Assim, defende, “as ações de Israel devem respeitar rigorosamente o direito internacional”. E reitera o apoio à solução dos dois Estados e “salienta a necessidade absoluta de relançar imediatamente o processo de paz”

Olhando para a situação regional, o PE critica os ataques com rockets feitos pela Síria e Líbano contra Israel e "solicita a realização de uma investigação
exaustiva sobre o papel do Irão, assim como de outros países, como o Catar e a Rússia,
no financiamento e no apoio ao terrorismo na região". Em território europeu, manifesta preocupação com o aumento de discursos e ataques antissemitas.

Ao final da manhã, os eurodeputados votaram parágrafo a parágrafo todo o texto, assim como uma série de emendas (a maioria rejeitadas). Adicionalmente foram votadas emendas de última hora, apresentadas oralmente. Destas, duas foram aprovadas - uma de condenação ao ataque ao hospital Al-Ahli em Gaza e outra de condenação aos ataques antissemitas em território europeu (nomeadamente a uma sinagoga de Berlim).

Os momentos mais tensos da sessão centraram-se noutras duas propostas orais, que propunham adicionar um apelo ao cessar-fogo humanitário. O PE rejeitou imediatamente a primeira proposta, apresentada pelo grupo da Esquerda.

A segunda emenda foi avançada pelo grupo Renew Europe e foi inicialmente rejeitada. Os ânimos exaltaram-se e perante um segundo apelo da eurodeputada belga Hilde Vautmans, a vice-presidente do PE Pina Picierno concedeu uma pausa de dois minutos para discutir este “tema sensível”. Retomada a votação, a emenda foi aprovada.

A resolução final foi aprovada com aplausos, somando 500 votos a favor, 21 contra e 24 abstenções.

[O Expresso viajou para Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu]