Médio Oriente

Dos confrontos com militantes pró-Assad à tentativa de tornar a Síria “um país para todos”: três semanas de revolução

O regime do Presidente sírio Bashar al-Assad caiu no dia 8 de dezembro. Desde então, os rebeldes do grupo islâmico HTS têm tentado apagar o que resta do antigo governo mesmo que tal implique recorrer à violência , enquanto se mostram empenhados em “reforçar a unidade nacional e preservar o tecido sírio com todas as suas componentes”. O Governo de transição deve continuar em funções depois de março de 2025 e as eleições só devem realizar-se daqui a quatro anos

Amir Levy

Três semanas depois de terem derrubado o regime do Presidente Bashar al-Assad, os rebeldes liderados pelo Hayat Tahrir al-Sham (HTS) continuam empenhados na transição de poder na Síria, enquanto apagam os “resquícios” do antigo governo e tentam mostrar sinais de moderação e de abertura, incluindo no diálogo com os países vizinhos.

Estava previsto o novo governo de transição funcionar até 1 de março de 2025, no entanto, o líder de facto da Síria, Ahmed al-Charaa, informou este domingo, em entrevista, que preparar e elaborar uma nova Constituição pode demorar cerca de três anos, e realizar eleições pode levar quatro. Não há, por isso, um calendário definido para os atos democráticos e eleitorais na Síria.

Por enquanto — e quase um mês após o grupo islâmico HTS, apoiado por outras fações, ter derrubado em 11 dias o clã da família Assad, que vigorou durante 53 anos — os rebeldes esforçam-se por reprimir o que resta do regime anterior, como descreveu a nova administração síria neste sábado.

Trata-se de “uma operação de varrimento em grande escala” que surgiu na sequência de “relatos sobre a presença de elementos ligados aos resquícios das milícias de Assad”, noticiou a agência oficial de notícias da Síria SANA. Esta operação de segurança centra-se em soldados e oficiais do exército associados ao ex-Presidente e ao seu irmão, Maher al-Assad.

Dezassete mortos e 300 detidos nos últimos dias

Na última quinta-feira, o novo ministro do Interior, Mohammed Abdul Rahman, já tinha avisado que iriam reprimir “todos os que se atrevessem a minar a segurança da Síria ou a pôr em perigo a vida dos seus cidadãos”. Nesse dia, o ministério informou que 14 elementos das suas forças de segurança tinham sido mortos em confrontos com militantes pró-Assad.

“Catorze membros do Ministério do Interior foram mortos e outros 10 feridos após uma emboscada montada por antigos membros do regime criminoso” na província de Tartus, no oeste do país, “enquanto cumpriam as suas tarefas de manutenção da ordem e segurança”, afirmou Mohammed Abdel Rahman em comunicado.

Ainda no mesmo dia, outras três pessoas que eram “combatentes leais ao antigo regime” — de acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH) — foram mortas também em Tartus, reduto da minoria étnico-religiosa alauíta, a que pertencia Bashar al-Assad. A SANA diz que o objetivo da operação foi “restaurar a segurança, a estabilidade e a paz civil” nesta província, e “neutralizar um certo número” de dissidentes.

Segundo o OSDH, “em menos de uma semana, cerca de 300 pessoas foram detidas em Damasco e nas regiões de Homs, Hama, Tartous, Latakia e Deir Ezzor”. Entre os detidos pelas novas autoridades da Síria estão “informadores dos antigos serviços de segurança do regime, homens armados leais ao regime e pró-iranianos, soldados e oficiais de baixa patente, que foram encontrados a cometer assassínios e atos de tortura”, informou Abdel Rahmane, o diretor da organização, à agência noticiosa AFP.

Diálogo com países vizinhos

Ao mesmo tempo que tentam desvincular-se do antigo regime tirânico — e apesar de também o estarem a fazer de forma violenta e antidemocrática — o Hayat Tahrir al-Sham está a esforçar-se por passar uma mensagem de moderação, abertura e diálogo com o exterior, distanciando-se das suas raízes jiadistas (o HTS é o antigo braço sírio da Al-Qaeda).

Na semana passada, por exemplo, o novo líder da Síria reuniu-se com uma delegação iraquiana para discutir a segurança fronteiriça, em concreto “os desenvolvimentos na esfera síria e os requisitos de segurança, e a estabilidade nas fronteiras entre os dois países”, adiantou o porta-voz do Governo do Iraque. A visita aconteceu depois de ter sido reaberta a missão diplomática iraquiana em Damasco, capital da Síria.

Na fronteira a oeste, Ahmed al-Charaa (também conhecido como Abu Mohamed al-Jolani) prometeu que a Síria vai deixar de “interferir negativamente no Líbano e respeitará a soberania, integridade territorial, independência de decisão e estabilidade” do vizinho. Consciente de que o seu país era uma “fonte de medo e ansiedade” no Líbano, o líder sírio prometeu que vão manter “uma posição neutra”.

Al-Charaa também se encontrou com um alto funcionário do Governo da Líbia reconhecido pelas Nações Unidas, no sábado, e com uma delegação do Bahrein em Damasco. Antes, no dia 22, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Hakan Fidan, foi à capital síria para se reunir com Ahmed al-Charaa. Ancara era o principal apoiante da oposição síria, a favor da destituição de Assad, e saiu beneficiada com esta mudança de regime.

“A Síria é um país para todos”

Internamente, o grupo islâmico — que se desvinculou da Al-Qaeda em 2016 — tem procurado usar um discurso inclusivo e tranquilizador, e implementar ações no mesmo sentido. Logo no início, disseram que queriam um sistema “pluralista”, que iam respeitar a liberdade religiosa, e que o uso do véu islâmico não seria obrigatório para as mulheres.

Após as manifestações de sírios da minoria alauíta, que protestaram depois da divulgação de um vídeo que mostrava um incêndio num dos seus santuários, o Governo interino proibiu a difusão de “conteúdos de caráter sectário” que incitem à “discriminação” nas redes sociais e nos meios de comunicação. A medida pretende “reforçar a unidade nacional e preservar o tecido sírio com todas as suas componentes”, explicou então o Ministério da Informação.

Outra das prioridades do Hayat Tahrir al-Sham para a Síria — país devastado por uma guerra civil há 13 anos — tem sido controlar todas as armas que possam existir, desmantelar os grupos armados e dissolver os ramos de segurança. “A instituição de segurança será reformada e reestruturada de uma forma que honre o nosso povo”, avançou o chefe dos serviços de informação sírios, Anas Khattab.

Ahmed al-Charaa e a nova administração síria dizem ainda que estão a trabalhar para proteger as minorias de atores “externos” que tentam “provocar discórdia sectária” no país, e sublinhou a importância da “coexistência” num dos países mais etnicamente e religiosamente diversos do mundo, e que até agora estava a ser governado sob repressão total. “A Síria é um país para todos”, sublinhou.