Médio Oriente

Os adolescentes em Gaza “à espera de serem mortos” e a decisão que todos dizem ser vinculativa, menos os EUA: 172º dia de guerra

O Artigo 25º da Carta da ONU diz que "os membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança", mas Washington faz outra interpretação. Israel já ignorou posição do Conselho sobre ajuda humanitária em dezembro. “A humanidade tem de escrever urgentemente um capítulo diferente”, pede UNICEF

Andrew Burton/Getty Images

O Artigo 25º da Carta da ONU diz que “os membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança", lembrou esta terça-feira o porta-voz do secretário-geral das Nações Unidas, Farhan Haq, quando questionado sobre o facto de os Estados Unidos considerarem que a proposta de um cessar-fogo em Gaza aprovada pelo Conselho este sábado “não é vinculativa”.

Os EUA ajudaram à aprovação da proposta com uma abstenção, e por isso a interpretação da diplomacia norte-americana está a ser criticada por vários países: "Todas as resoluções do Conselho são vinculativas, incluindo a 2728 (adotada na segunda-feira). Não há qualquer dúvida. Todos os países que aderem à ONU estão empenhados em implementar estas resoluções. É uma obrigação de acordo com a Carta da ONU”, lembrou o vice-embaixador da China, Geng Shuang.

A posição de Pequim foi partilhada por países como a Rússia, Serra Leoa, Argélia – e até por especialistas: “Não há dúvida de que a resolução é vinculativa para todos os Estados-membros da ONU a partir do Artigo 25.º da Carta da ONU", afirmou Hannah Birkenkötter, especialista em direito internacional com foco no sistema das Nações Unidas, citada pela Lusa.

No final de dezembro, o Conselho de Segurança votou a favor de acelerar a entrada de ajuda humanitária em Gaza – no entanto, a resolução foi ignorada por Israel, que criou ainda mais restrições à entrada de bens essenciais no enclave palestiniano. Esta decisão não levou a quaisquer sanções ou advertências por parte do Conselho, dado que não há mecanismos definidos para obrigar um país a cumprir.

Devido à posição ambígua de Washington sobre Gaza, ora pressionando por um cessar-fogo e ajuda humanitária ora continuando a armar Israel, Joe Biden foi hoje interrompido durante um evento na Carolina do Norte.

“Os hospitais em Gaza estão a ser bombardeados”, gritou um cidadão enquanto o Presidente dos EUA falava sobre cuidados de saúde. “E o que tem a dizer sobre os cuidados de saúde em Gaza?”, perguntou outro manifestante.

“Sejam pacientes com eles”, pediu Biden aos assessores que se precipitaram na direção das pessoas. “Eles têm razão. Temos de conseguir fazer entrar muito mais apoio humanitário em Gaza”, sublinhou.

“Estão tão desesperados para que o pesadelo acabe que esperam ser mortos”

Além do mundo diplomático, o porta-voz da UNICEF denunciou hoje que a "ajuda que salva vidas" está a ser "obstruída" na Faixa de Gaza, pelo que é de lamentar que a ofensiva israelita tenha levado o enclave a "bater os recordes da humanidade nos seus capítulos mais negros".

"Sejamos claros: a ajuda que salva vidas está a ser obstruída. Estão a perder-se vidas. A dignidade está a ser negada", afirmou James Eldere, após uma visita oficial a Gaza, no meio de alegações de que Israel está a restringir a prestação de apoio humanitário.

Entre 1 e 22 de março, um quarto das 40 missões de ajuda humanitária no norte de Gaza foi recusado", afirmou Eldere.

"As pessoas perguntam-se muitas vezes se ainda há esperança. Tudo aqui está nos extremos, e esta questão não é diferente", referiu, antes de contar que vários adolescentes de Gaza entrevistados pela UNICEF "disseram que estão tão desesperados para que o pesadelo acabe que esperam ser mortos".

A este respeito, afirmou que "o indizível é dito regularmente em Gaza". "Desde raparigas adolescentes à espera de serem mortas, a dizerem que uma criança é o último sobrevivente de toda a sua família. Este horror já não é excecional aqui", sublinhou.

"Como ouvimos ontem [segunda-feira]: o cessar-fogo tem de ser substancial, não simbólico. Os reféns têm de regressar a casa. A população de Gaza tem de poder viver", explicou, referindo-se à decisão do Conselho de Segurança da ONU que apela a um cessar-fogo na Faixa de Gaza, apesar de Israel ter prosseguido hoje a ofensiva.

"Nos três meses entre as minhas visitas, todos os números horríveis aumentaram dramaticamente. Gaza bateu os recordes da humanidade nos seus capítulos mais negros. A humanidade tem agora de escrever urgentemente um capítulo diferente", afirmou.

Outras notícias

> A Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (UNRWA) tem agora fundos suficientes para funcionar até ao final de maio. A garantia é dada após Israel ter acusado alguns funcionários da entidade de participarem nos ataques de 7 de outubro: não foram apresentadas provas, mas países como os EUA decidiram suspender o financiamento à UNRWA. Outros, como Espanha, Canadá ou Austrália, retomaram ou aumentaram o seu financiamento à agência, que agora enfrenta uma "situação menos dramática".

> Israel garante ter assassinado o número 3 da hierarquia militar do Hamas no passado dia 10 de março. Marwan Issa, comandante das Brigadas Qassam, terá sido morto num ataque aéreo. As autoridades oficiais do Hamas não confirmaram o óbito e falam em “guerra psicológica”.

> Em violação do direito internacional, os colonatos israelitas em territórios palestinianos “intensificaram-se" nos últimos meses, avisou o coordenador especial das Nações Unidas para o Processo de Paz no Médio Oriente. A falar para o Conselho de Segurança da ONU, Wennesland sublinhou que há mais 4780 casas aprovadas na Cisjordânia ocupada e em Jerusalém Oriental.