Guerra na Ucrânia

É o dia mais importante do calendário ideológico de Vladimir Putin, mas onde anda o seu principal general, Valery Gerasimov?

O conceito de "guerra híbrida" foi lançado por ele, a estratégia na Crimeia, na Geórgia e no Donbas têm as suas impressões digitais, mas o homem mais importante de toda a estrutura militar russa, o general Valery Gerasimov, não esteve presente na parada deste 9 de maio, o dia em que os russos celebram a derrota da Alemanha nazi. Onde está Gerasimov? Terá sido ferido na linha da frente? Ou apenas ferido na honra?

O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas russas e um dos homens em que Vladimir Putin realmente confia, Valery Gerasimov, não apareceu na parada do dia 9 de maio de 2022
Anadolu Agency/Getty Images

No domingo passado, o “New York Times” escrevia que a mais alta patente do exército russo, o general Valery Gerasimov, tinha visitado a linha da frente da guerra na Ucrânia, no Donbas. È uma deslocação atípica para tão importante personalidade, aliás tida como uma das três pessoas, que, com Vladimir Putin e o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, vêm desenhando a ofensiva desde muito antes do dia do primeiro ataque. "Acreditamos que ele estava lá porque há um reconhecimento de que o exército russo ainda não resolveu todos os seus problemas", disse uma das fontes norte-americanas citadas na notícia do “New York Times”.

Esta segunda-feira, dia 9 de maio, o dia que sustenta todo o orgulho nacional da Rússia, o principal rosto do exército não aparece. Ele que foi o comandante máximo à frente da parada de 2009 a 2012. Onde esteve? Não há notícias. Não foi visto na parada na Praça Vermelha, ao lado de Vladimir Putin - o que imediatamente criou um frenesim de conspirações, até porque chegaram a circular rumores de que Gerasimov tenha ficado ferido “de forma ligeira” nessa visita.

Esta é a primeira vez que a parada do Dia da Vitória acontece numa altura em que a Rússia está envolvida numa guerra convencional na Europa, portanto o simbolismo de quem está ou não está presente é ainda maior. A Guerra Fria deixou-nos em legado um dos mais interessantes ramos da análise geopolítica: presenças e ausências. Nos regimes caracterizados pelo seu autoritarismo, esta dimensão ganha ainda mais relevo, já que os erros militares não costumam passar sem punição - nesta guerra, nem Putin no seu bunker deve ter conseguido escapar totalmente às notícias que dão conta de uma resistência inesperada das tropas ucranianas. E de quem é a culpa? Parte dela recai em Gerasimov, por definição o principal estratego da guerra.

Em 2013, Valery Gerasimov escreveu um artigo que, depois da anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, passou a ser lido como guia prático para derrubar governos em países vizinhos. Seria mais ou menos assim: a Rússia usaria as redes sociais e os ataques informáticos para colocar as populações locais contra o Governo central, o isolamento e as sanções económicas para provocar ainda mais desacatos sociais, alimentados pela pobreza, e, no final desse processo de definhamento progressivo do espírito de determinada nação, seria enviada uma pequena força militar para restabelecer a ordem. Moscovo assinaria um pacote de ajuda económica e, em troca, as populações aceitariam um novo líder, alinhado com o Kremlin.

Sergei Shoigu, Vladimir Putin e Valery Gerasimov, por esta ordem

Na Ucrânia, Gerasimov não conseguiu repetir os “sucessos” da Geórgia ou Crimeia e tem de lidar com uma moral muito reduzida entre tropas demasiado jovens, falta de capacidade tecnológica para uma batalha onde os drones se estão a tornar atores principais e linhas de abastecimento gigantescas. Para além disso, o adversário é um país de 44 milhões de pessoas, que não só estão profundamente enraivecidas como também têm perfeita noção de que nas suas cidades se vive de forma mais livre, com acesso a níveis de consumo que não estão acessíveis à maioria dos russos.

A teoria de "espalhar o caos", defendida várias vezes em discursos e intervenções públicas e cujos méritos realmente são visíveis em vários cenários onde a Rússia interveio, encontrou pela primeira vez uma oposição que, até este momento, parece estar a superar as expetativas - apesar das imensas perdas de equipamento e de homens que a Ucrânia certamente regista todos os dias, apesar de não tornar esses dados públicos.

Neste dia, que deveria ser de celebração de uma vitória na Ucrânia, Vladimir Putin nem sequer mencionou esse conceito, muito menos se está ou não acessível às suas tropas. Em abril, as forças militares russas iniciaram uma nova fase da guerra: afastaram-se de Kiev, que não conseguiram tomar, e concentraram-se no leste, zona que está a ser constantemente bombardeada mas onde os reais avanços e conquistas de território por parte dos russos não têm sido, aparentemente, dignos de notícia. "Continuamos a ver um progresso mínimo, na melhor das hipóteses, dos russos em Donbas", disse um funcionário do Departamento de Defesa norte-americano à “Newsweek”.