A utilização de spyware (software utilizado para recolher informações confidenciais de um dispositivo sem consentimento) para vigiar jornalistas é um dos pontos de destaque do o relatório da Plataforma para a Protecção do Jornalismo e Segurança dos Jornalistas do Conselho Europeu, referente ao ano de 2023. Intitulado de “Liberdade de Imprensa na Europa: Hora de Virar a Maré”, o relatório alerta para as constantes ameaças contra a liberdade dos média e segurança digital dos jornalistas, sublinhando ainda a utilização abusiva de processos judiciais como forma de pressão e o número de profissionais forçados a viver no exílio.
A guerra na Ucrânia entra em jogo precisamente neste último ponto, estando em causa jornalistas da Rússia e Bielorrússia, que são obrigados a sair dos seus países devido ao risco elevado de serem alvo de processos judiciais, ameaças e intimidações. Em alguns casos, continuam a ser perseguidos – bem como as suas famílias – mesmo após o exílio.
De acordo com a plataforma, até ao final do ano de 2023 cerca de 59 jornalistas e profissionais dos média encontravam-se detidos em Estados-Membros que integram o Conselho da Europa. Na Rússia (expulsa do Conselho da Europa em 2022, mas que continua a ser analisada neste relatório) e Bielorússia (que não pertence ao Conselho da Europa mas cuja situação integra também o documento) o número de detenções rondava as 65, existindo uma intensificação das repressões contra jornalistas independentes. À medida que os territórios ucranianos eram ocupados pelas forças russas, os jornalistas independentes eram alvo de perseguições, detenções ilegais e alguns foram dados como desaparecidos.
Vítimas mortais diminuem, mas insegurança permanece
Em 2023 registou-se uma diminuição significativa do número de profissionais ligados aos média mortos em relação ao ano anterior, de 13 para três mortos.
Entre as vítimas mortais estão dois jornalistas, Bohdan Bitik e Arman Soldin, que foram mortos durante ataques russos enquanto faziam reportagens na Ucrânia. A terceira vítima era Pal Kola, um segurança que morreu na sequência de um ataque à estação televisiva Top Channel, na Albânia.
As organizações que são parceiras da plataforma, como os Repórteres sem Fronteiras (RSF), o Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e a Federação Internacional dos Jornalistas (IFJ), publicaram cerca de 285 alertas sobre graves ameaças ou ataques à liberdade na Europa, menos quatro em relação ao ano de 2022. Em contrapartida, os alertas publicados revelam um aumento de ameaças, pressões e restrições que os jornalistas são obrigados a enfrentar durante o exercício da sua profissão.
Também os casos de impunidade por homicídio de jornalistas registaram um aumento, com cinco novos casos a serem reportados na plataforma. Até ao final do ano, existiam cerca de 30 alertas referentes a 49 trabalhadores dos média ativos na plataforma. A maior parte dos casos nunca chega a ser concluído devido à falta de investigações, acusações e condenações.
“Os jornalistas importam”
Citada no relatório, a secretária-geral do Conselho da Europa, Marija Pejčinović Burić, frisou que o documento reflete “os riscos e obstáculos crescentes que os jornalistas e os meios de comunicação social enfrentam na Europa”.
Marija Pejčinović Burić fez um apelo aos Estados-Membros para que encontrem uma solução que assegure a proteção dos jornalistas e combata "as ameaças à liberdade dos meios de comunicação social, tais como processos judiciais abusivos e vigilância ilegal”.
Os Estados-Membros devem também, segundo a secretária-geral, promover a campanha “Os jornalistas importam”, uma iniciativa lançada pelo Conselho da Europa que visa promover a liberdade dos meios de comunicação social e proteger os jornalistas da violência, ameaças e assédio a que estão muitas vezes sujeitos.
O Conselho de Estado celebra, este ano, o 75.º aniversário desde a sua fundação, no ano de 1949. O relatório, que é publicado anualmente, tem como base os alertas publicados por 15 Organizações Não Governamentais (ONG) e associações de jornalistas que são parceiras da Plataforma para a Proteção do Jornalismo e Segurança dos Jornalistas.
Texto de Mariana Jerónimo, editado por João Pedro Barros.