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“Eles saíram com a roupa civil, para se misturarem com as pessoas, para semearem o caos”: a fuga de prisões de alta segurança em Moçambique

Um antigo militar e agora consultor de segurança em Maputo conta ao Expresso como têm sido os dias que se seguiram à evasão de 1500 reclusos de elevada perigosidade de várias cadeias de Moçambique. Mas há muito mais problemas a preocupar as populações. A insegurança levou ao encerramento de empresas e já faltam alimentos e meios de subsistência. A desconfiança face ao regime só aumenta, e Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa são acusados de piorarem a situação vivida pelos portugueses no país

LUÍSA NHANTUMBO/REUTERS

António Serrano (nome fictício) vive em Maputo, na zona da Baixa, onde reside a maioria dos ex-patriados e onde se localiza uma grande parte das embaixadas. Trata-se de uma “bolha”, e é assim que o descreve: “Parece que estamos em Lisboa, há supermercados como o Continente, temos cinemas e uma espécie de Uber. Vivo numa redoma, mas a realidade nas redondezas e no resto do país é bastante diferente.”

Trabalhou como militar em Moçambique, passou à reserva e reformou-se. Mais tarde, o português foi convidado pela G4S, uma empresa multinacional britânica de segurança que tem cerca de nove mil vigilantes no país africano, a trabalhar no ramo. É essa experiência que o faz crer que a crise de segurança em Moçambique é preocupante. Pelo menos 1534 reclusos evadiram-se na tarde de quarta-feira da Cadeia Central de Maputo, de máxima segurança, disse o comandante-geral da polícia, remetendo a responsabilidade para os manifestantes pós-eleitorais.

António Serrano tem outra teoria: “Estamos a falar dos criminosos mais perigosos de Moçambique, pessoas que não têm futuro e não dão valor nenhum à vida. Imagine essas pessoas soltas por aí... O burburinho que deu em Portugal a fuga de cinco reclusos. Nós aqui estamos a falar de 1500, e não foi apenas em Maputo, mas em outras prisões, que também abriram os portões.” O português desconfia das circunstâncias da evasão, que tem suscitado rumores entre a população. “Quem é que abriu? É uma prisão de alta segurança, quem é que a abre? Não se vê manifestantes a tentar arrombar; a própria população está a organizar milícias para ir atrás dos evadidos.” O consultor de segurança está convencido de que os portões não foram arrombados, mas abertos. “Os presos têm uma farda, como em qualquer prisão, têm um uniforme. Eles saíram com a roupa civil, para se misturarem com as pessoas, para semearem o caos. Ninguém foi ferido nem morto. Filipe Nyusi, o Presidente, queria instituir o estado de sítio. Isso permitir-lhe-ia continuar mais uns tempos na Presidência, e tinha todo o interesse... Há uns tempos, não teria o apoio de outros países, como a África do Sul e Portugal, e a população iria revoltar-se.”

Face ao caos, pediria o povo a intervenção política? “O Governo depois aparece, dizendo que precisam da sua ajuda, por isso terão de aplicar medidas impopulares que vão salvar o país e que, há uma semana, seriam muito impopulares”, argumenta António. "Estas pessoas estudaram na Rússia ou na Venezuela, eles sabem o que vem nos livros…”