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“Apesar do medo e do cansaço, as sementes de uma segunda vaga de abertura democrática estão bem presentes na Tunísia”

A Revolução de Jasmim, que levou à deposição do ditador Ben Ali em 2011 e serviu de rastilho à Primavera Árabe, continua na memória coletiva, garante Nadia Marzouki. A politóloga franco-tunisina confessa ao Expresso que teme “surtos de violência”. “Há muito ódio, ressentimento, agressividade” e “a situação está explosiva”, diz. E distingue: com Ben Ali, havia “algumas regras tácitas” conhecidas por todos; agora, com Kaïs Saïed, recentemente reeleito, há “um reino da arbitrariedade pura e simples”

Kaïs Saïed toma posse para segundo mandato presidencial em cerimónia na Assembleia dos Representantes do Povo em Tunes, capital da Tunísia, a 21 de outubro de 2024
Yassine Gaidi/Anadolu/Getty Images

Kaïs Saïed tomou posse na segunda-feira para um segundo mandato como Presidente da Tunísia. Sem surpresa, foi reconduzido com mais de 90% dos votos e uma taxa de participação inferior a 30%. Para garantir a vitória nas eleições de 6 de outubro, o incumbente tratou de reprimir a dissidência e limitar ao máximo os seus opositores.

Segundo dados oficiais, Saïed chegou aos 90,69%, enquanto os outros dois candidatos autorizados a concorrer ficaram muito atrás: Ayachi Zammel, que está preso, obteve 7,35%, e Zouhair Maghzaoui não foi além de 1,97%.

Especializado em Direito Constitucional e jurista de profissão, Saïed emergiu em 2019 como outsider da política, concorreu como independente e ganhou as eleições. Em meados de 2021, declarou o estado de emergência, demitiu o primeiro-ministro, suspendeu o Parlamento e reescreveu a Constituição à sua medida.

Estas foram as terceiras eleições presidenciais desde os protestos que levaram à destituição de Ben Ali em janeiro de 2011. No poder desde 1987, o ditador fugiu com a mulher e os filhos para a Arábia Saudita, onde viria a morrer em 2019. O seu derrube foi o culminar da chamada Revolução de Jasmim, que serviu de rastilho à Primavera Árabe, durante a qual os então líderes da Líbia, Egito e Iémen também foram depostos.

Para muitos, com o garrote aplicado em 2021, Saïed pôs um ponto final no sonho e no projeto democráticos que haviam surgido uma década antes no país. Em entrevista ao Expresso, a politóloga franco-tunisina Nadia Marzouki descreve o regime como “uma combinação de fraqueza e megalomania”.