O partido que foi comandado por Nelson Mandela e que lidera o país desde que se deu o fim do regime racista ‘apartheid’ arrisca-se a perder a maioria absoluta parlamentar da África do Sul. É a primeira vez desde que está no poder. São "águas nunca dantes navegadas", como intitula a agência Bloomberg.
Segundo os resultados parciais das eleições de quarta-feira (35,73% dos votos contados), pelas 19h50, o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla original) está abaixo da fasquia dos 50% dos votos. Ainda que continue a ser o partido mais votado e a maior força política do país, o ANC apresenta apenas 42,27% dos votos, sendo que o Aliança Democrática (DA, na sigla original), de ideologia liberal, regista 24,47% dos votos – uma percentagem que nenhum registara em sufrágios anteriores, ainda que em sentidos diferentes.
Em 2019, o ANC obteve 57,5% dos votos, correspondentes a 230 dos 400 assentos parlamentares – e mesmo aí já tinha sido abaixo da fasquia dos 60%, o que não se verificara nas eleições anteriores, de acordo com os resultados eleitorais oficiais. O ANC ganhou as eleições de 1994, sob a liderança de Nelson Mandela (falecido em 2013), que terminou com o domínio branco racista no país, e desde aí tem assegurado a vitória eleitoral. A vitória acontecerá, mas não nas mesmas condições.
De acordo com o site da Comissão Eleitoral da África do Sul, o MK, do antigo presidente Jacob Zuma (que resignara da liderança do país em 2018 depois de acusações de corrupção), está acima dos 9%, nos 9,57%. É um novo partido, não tendo concorrido nas anteriores eleições. A Reuters diz que está a comer algum do eleitorado do ANC. Já o marxista EFF (Combatentes da Liberdade Económica) também recolheu, até agora, 9,15% dos votos. A abstenção registada é de 41%. A BBC adianta que os resultados finais só serão apurados durante o fim de semana.
Coligação a caminho?
Estas eleições, confirmando-se a tendência nos resultados definitivos, configurarão uma viragem no país, como adianta já a imprensa internacional: poderá ser necessária uma coligação, ou a partilha de poder, inédita na vida democrática do país. O Expresso tinha já escrito que esta era uma realidade que poderia vir a materializar-se, tendo em conta os elevados níveis de desemprego que afetam a população mais jovem, mais descontente com o poder instituído.
Citado pelo Guardian, o representante do ANC na Comissão Eleitoral, Gwede Mantashe, recusou que a maioria absoluta esteja perdida: "ainda temos esperança de que consigamos quebrar a barreira dos 50%", rejeitando a ideia de que uma coligação é obrigatória.
Os resultados mostram pelo menos duas vias para o ANC, uma virada mais para o lado liberal, com o DA, outra com os partidos mais virados ao centro/esquerda, incluindo o MK e/ou o EFF.
Cabe ao novo parlamento eleger o presidente da África do Sul. Sem a maioria, como lembra a Associated Press, o ANC precisa de outros partidos para reeleger o presidente Cyril Ramaphosa – que no dia das eleições escreveu uma publicação na rede social X a dizer que os sul-africanos iriam atribuir uma “firme maioria” ao ANC.