O primeiro-ministro da Escócia, Humza Yousaf, demitiu-se esta manhã, perante a perspetiva de enfrentar duas moções de censura no parlamento regional: um contra a sua liderança e outro contra o seu Governo. A demissão segue-se à decisão de Yousaf de pôr termo, de forma unilateral, ao acordo de Bute House, nome da residência oficial do líder do Governo, assinado em 2021 com os Verdes.
O acordo, que não é uma coligação mas funciona da mesma forma, na prática, deu aos nacionalistas escoceses (Partido Nacional Escocês, SNP) de Yousaf uma maioria parlamentar que lhe escapou nas urnas. Sem os sete deputados dos Verdes, o Executivo de Yousaf iria ter de funcionar em minoria daqui para a frente. Com duas muções de censura no horizonte, o ainda líder escocês, que se manterá no cargo até que o SNP escolha um sucessor, não considerou possível permanecer ao leme do SNP e do Executivo regional.
“Até para nós isto surgiu do nada”, começa por dizer ao Expresso Murray Leith, professor de Ciência Política na Universidade da Escócia Ocidental. “Também do ponto de vista do SNP foi uma surpresa, até porque o próprio Yousaf admitiu que não conseguiu antever que a quebra do acordo iria provocar uma reação tão brutal. Isto porque os próprios Verdes tinham uma convenção marcada para decidir se continuariam com o acordo. Yousaf decidiu unilateralmente e provocou enorme fúria, tanta que os Verdes disseram que iam apoiar a moção de censura”.
A frase com que Yousaf deu início ao discurso de demissão é esta: “Infelizmente, ao pôr termo ao acordo de Bute da forma como fiz, subestimei claramente o nível de mágoa e perturbação que isso iria causar aos colegas do Partido Verde. E, para que um governo minoritário possa governar com eficácia, a confiança é fundamental”.
O próximo passo para os nacionalistas escoceses é procurar novo líder, que tem 28 dias para ser aprovado como chefe do Governo pelo Parlamento. Se não houver um nome que reúna consenso, a Escócia irá para eleições antecipadas, o que nunca aconteceu. “Tudo vai depender, de novo, da capacidade do SNP para convencer alguns deputados de outros partidos a permitir que o novo líder governe. Terá de ser alguém que não Yousaf, claro, e alguém que não seja conotado com a sua ala, porque ele deixou os Verdes mesmo irritados”, diz Leith.
Opções para novo líder “sólidas, mas nenhuma óbvia”
As opções já estão a aparecer na imprensa, mas Leith diz que “não há ninguém desde já óbvio”. John Swinney, um dos membros mais experientes do SNP, ministro das Finanças no governo de Alex Salmond e vice-primeiro-ministro de Nicola Sturgeon (que se demitiu, desencadeando a disputa que empossou Yousaf), está numa melhor posição para falar com os Verdes em questões como ambiente ou reformas sociais, motivos que levaram o partido a convocar uma convenção que iria discutir se o acordo com o SNP era para manter.
Os ambientalistas não gostaram da recente decisão da administração liderada pelo SNP de abandonar um objetivo fundamental em matéria de alterações climáticas. Este recuo soma-se a outra decisão do Governo: suspender a prescrição a menores de 18 anos de medicamentos chamados “bloqueadores da puberdade”, que impedem, temporariamente, o desenvolvimento do corpo ao suprimirem a liberação de estrogénio (hormonas relacionadas com a evolução e com as características femininas) ou testosterona (hormonas masculinas), que começam a ser produzidos em maior quantidade durante a puberdade.
Swinney disse, logo após a demissão de Yousaf, que está a ponderar “muito seriamente” concorrer ao cargo. “Fiquei impressionado com os pedidos que me foram feitos para avançar. Recebi muitas, muitas mensagens de colegas do partido”, afirmou, citado pela Sky News.
Kate Forbes, ex-ministra das Finanças, pode voltar a lançar-se na arena depois de ter perdido para Yousaf no ano passado. Como cristã devota, terá capacidade de chegar aos mais conservadores. Durante a campanha pela liderança do SNP, Forbes expressou oposição ao casamento homossexual e ao nascimento de crianças fora do casamento, opiniões consideradas demasiado retrógradas dentro do partido.
Apesar disso, conseguiu 48% na segunda volta. Yousef arrecadou 52%. A diferença não é avassaladora. “Todos são nomes sólidos, todos são ou já foram membros do Governo, têm experiência e são conhecidos do público, mas ninguém pode dizer já quem será o primeiro-ministro”, diz o professor da Universidade da Escócia Ocidental, lembrando que Swinney é popular, mas a sua última passagem pela liderança foi infeliz, tendo-se demitido em 2004 na sequência de um resultado fraco nas eleições europeias.
Neil Gray, ex-jornalista e ministro da Saúde escocês, foi diretor de campanha de Yousaf, e por isso talvez não seja o mais apaziguador dos nomes, apesar de estar a ser referido entre os cinco principais candidatos. Outra opção é Jenny Gilruth, ministra da Educação, ex-professora. Enfrenta uma onda recente de críticas por não ter lido o relatório sobre violência nas escolas da região de Aberdeen, redigido pelo maior sindicato de professores da Escócia.
Eleições que nem Governo nem parte da oposição desejam
“É sempre possível que haja eleições, mas parece-me difícil, uma vez que nem o partido no Governo nem a sua mais forte oposição, os conservadores, querem eleições agora, e são precisos dois terços do Parlamento para marcá-las”, diz Murray Leith ao Expresso. “O Parlamento, no último ano, conseguiu aprovar alguma legislação sólida. Por exemplo, não tem havido greves no serviço de saúde pública escocês, ao contrário do que se tem visto no Reino Unido, porque conseguiram chegar a acordos com os médicos e os enfermeiros”, relembra. Tem havido pressão popular sobre o Governo para que alivie a carestia de vida, e os conservadores têm focado as suas intervenções no aumento de impostos defendido e imposto pela parceria SNP-Verdes.
“Há outro fator que é preciso ter em atenção: as legislativas no Reino Unido têm de acontecer nos próximos oito meses. Os deputados do SNP em Westminster estão nervosos, porque as sondagens indicam que podem perder lugares. O líder que vier a ser escolhido tem de ser alguém que apresente boas perspetivas para o futuro, que projete uma imagem positiva”, diz Leith.
É por culpa do calendário para Westminster que os conservadores não querem uma eleição escocesa. Apresentaram uma moção de não-confiança apenas ao primeiro-ministro, não a todo o Executivo, como fizeram os trabalhistas, para quem uma eleição, seja para Holyrood ou para Westminster, pode resultar num reforço da sua posição em ambos os parlamentos.
Segundo a “sondagem das sondagens” do site Politico, o Partido Trabalhista está com 44% de intenções de voto para o Reino Unido, contra 23% dos conservadores. Já para o Parlamento escocês, a trajetória descendente do SNP (34% segundo a empresa YouGov, depois de terem chegado aos 41% em setembro passado) não oferece confiança ao partido.
Os conservadores escoceses estão com o mesmo problema: em seis meses desceram cinco pontos percentuais nas intenções de voto (de 20% para 15%). O cenário inverte-se para os trabalhistas: de 28% há seis meses para 32%, perto dos valores do SNP. O líder nacional trabalhista, Keir Starmer, não teve meias palavras. Numa publicação na rede social X, afirmou que o povo escocês está “fundamentalmente desiludido” e que a solução passa por “eleições gerais e um novo começo”.
Esta queda do apoio ao partido de Yousaf não é sinónimo, diz o professor Leith, de um gradual abandono da ideia de independência, grande objetivo do SNP (como dos Verdes escoceses). “As sondagens dizem-nos que o apoio ao SNP tem vindo a cair, mas o apoio à independência não. É estável. Muita gente pode levar o seu voto para outro partido, mas continuam favoráveis à independência. Há outras questões, como a carestia de vida, que fazem com que as pessoas se foquem mais em coisas imediatas“. Na última sondagem do YouGov, 47% dos inquiridos dizem apoiar a independência da Escócia, contra 53% que discordam.
A moção de censura a Yousaf, em grande medida inconsequente não fosse a quebra pelo demissionário da sua “coligação” serve, na opinião de Leith, para que o partido conservador consiga “marcar presença” e “começar a desacreditar o SNP”, sobretudo em circunscrições onde são concorrentes diretos. “Nessas áreas, o afastamento do primeiro-ministro pode fortalecer a posição dos conservadores”, antevê o professor.