Internacional

Comissão recua na suspensão de pagamentos à Palestina e corrige comissário

A descoordenação dentro da Comissão Europeia - e a contestação de vários países, incluindo Portugal - obriga o executivo comunitário a recuar na decisão de cortar os apoios aos palestinianos. Há também divisões entre Estados-Membros

Yves Herman/Reuters

Foi um dia de anúncios, recuos e de comissários a corrigirem-se uns aos outros na rede social X (ex-Twitter) por causa de uma eventual suspensão da assistência financeira ao desenvolvimento da Palestina. No final do dia, o Alto Representante da UE para a política externa veio pôr um ponto final no assunto e esclarecer que "não" há qualquer "suspensão dos devidos pagamentos".

Josep Borrell argumenta que ir por essa via seria "punir todo o povo palestiniano" e que isso "prejudicaria os interesses da UE na região e só serviria para encorajar ainda mais os terroristas".

Um posicionamento político a contrariar e corrigir o "post" que o comissário húngaro fez seis horas antes. Oliver Varhelyi, que tem a pasta do alargamento e vizinhança, foi taxativo ao escrever no "X" que a "brutalidade" do Hamas contra o povo de Israel "era um ponto de viragem" e que a Comissão Europeia iria rever toda "a lista de projetos de desenvolvimento, num montante total de 691 milhões de euros", garantindo a "suspensão imediata de todos os pagamentos".

A descoordenação e divisão dentro do executivo comunitário era óbvia. A meio da tarde, um outro comissário, Janez Lenarčič, veio clarificar - também na Rede Social X - que não haveria suspensão da ajuda humanitária aos palestinianos. Pelo contrário, esse apoio "iria continuar pelo tempo que fosse necessário". O comissário para a gestão de crise salvaguardava que apesar de "condenar fortemente o ataque terrorista do Hamas", considerava "imperativo proteger os civis e Lei Humanitária Internacional".

Portugal e outros países contestaram suspensão da assistência

O "post" de Varhelyi seguiu-se ao anúncio, citado pela Reuters, segundo o qual a Áustria iria suspender a ajuda bilateral aos palestinianos e que a Alemanha estava também a rever o apoio. No entanto, a iniciativa do comissário húngaro não caiu bem nalgumas capitais, antecipando uma divergência de posições entre Estados-membros.

O ministro dos Negócios Estrangeiros do Luxemburgo foi um dos primeiros a apontar o dedo à Comissão. "A decisão sobre esta matéria cabe aos Estados-Membros", afirmou Jean Asselborn, citado pela imprensa luxemburguesa. Os chefes da diplomacia dos 27 "só esta terça-feira à tarde é que vão discutir o assunto", sublinhou ainda, numa clara farpa ao comissário e à tentativa de tomar, sozinho, decisões de política externa.

Portugal também se junta à críticas. "Todas as decisões requerem base legal, desconhecendo-se qual a base legal invocada pelo Comissário", disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros em resposta ao Expresso. Já o primeiro-ministro holandês afirmou esta manhã a UE não financia a Hamas e que é preciso distinguir as organizações terroristas de civis inocentes.

Fonte diplomática belga dá conta de que o país é contra o corte da ajuda ao desenvolvimento naquela zona do Médio Oriente. O país "não quer misturar os palestinianos ou os habitantes de Gaza com o Hamas" porque isso "envia um mau sinal". A mesma fonte aponta ainda para a necessidade de se aumentar a ajuda humanitária face a uma situação da população civil palestiniana que pode tornar-se mais difícil com o cerco a Gaza e o corte de água e eletricidade imposto por Israel.

É uma assunto sensível para ser discutido pelos ministros dos negócios estrangeiros durante a reunião que decorre presencialmente em Omã - para os ministros que estão no país juntamente com Josep Borrel - mas também por videoconferência - para os que não foram ao encontro de cooperação com os países do Golfo. Os 27 vão debater a tensão no Médio Oriente e o papel que a UE pode ter para um regresso ao processo de paz e de diálogo.

Comissão inspeciona programas de apoio aos palestinianos

Mesmo sem cortes nos pagamento, o que o executivo comunitário confirma, no entanto, é que vai avançar com uma avaliação urgente aos programas europeus de assistência à Palestina. O objetivo desta revisão é assegurar que nenhum financiamento da UE permita indiretamente a qualquer organização terrorista levar a cabo ataques contra Israel", pode ler-se em comunicado.

A Comissão Europeia não financia organizações terroristas, como o Hamas, e esta manhã voltou a reafirmá-lo na habitual conferência de imprensa diária. Porém, os desenvolvimento recentes obrigam a uma reavaliação para garantir que não há qualquer financiamento indireto indevido.

O episódio de descoordenação desta segunda-feira, com comissários a desmentir comissários, e o serviço de porta-vozes a não conseguir durante horas esclarecer os jornalistas, levanta ainda questões sobre a estratégia de comunicação da Comissão Europeia de fazer anúncios através da Rede Social gerida por Elon Musk, em vez de marcar conferências de imprensa ou de fazer comunicados.