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Itália: Meloni ainda em estado de graça um ano após eleição

A 25 de setembro de 2022, Giorgia Meloni, líder dos Irmãos de Itália, venceu as eleições em Itália, tornando-se a primeira mulher a governar o país, ao leme do governo italiano mais de direita desde a II Guerra Mundial.

Giorgia Meloni
JOHN THYS/AFP/Getty Images

A 25 de setembro de 2022, Giorgia Meloni, líder dos Irmãos de Itália, venceu as eleições em Itália, tornando-se a primeira mulher a governar o país, ao leme do governo italiano mais de direita desde a II Guerra Mundial.

Cumprido praticamente o primeiro ano de legislatura, a coligação governamental de direita e extrema-direita formada pelos nacionalistas do «Fratelli d'Italia» de Meloni, pelo partido anti-imigração Liga, de Matteo Salvini, e pela Força Itália, mantém praticamente os mesmos índices de popularidade de há um ano, apesar de um contexto adverso.

Eis alguns dos pontos essenciais do primeiro ano de governação da coligação liderada por Giorgia Meloni:

Fluxo migratório “explosivo” contraria promessa de “bloqueio naval”

O combate à imigração ilegal foi uma das grandes ‘bandeiras’ da campanha eleitoral de Meloni, que prometeu travar as chegadas de embarcações desde o norte de África, mas, ironicamente, Itália registou nos primeiros nove meses de 2023 ano o maior número de chegadas dos últimos anos.

Ao invés do “bloqueio naval” no Mediterrâneo central prometido por Meloni, através desta rota migratória chegaram este ano a Itália, designadamente à ilha de Lampedusa, mais de 130 mil pessoas, o dobro relativamente ao mesmo período no ano passado (68 mil) e o triplo face a 2021 (43 mil), tendo o vice-primeiro-ministro Antonio Tajani, sucessor de Berlusconi à frente do Força Itália, comentado que a situação relativa à chegada de migrantes de África “não é explosiva, já explodiu”.

A gestão da política migratória da coligação encabeçada por Meloni tem merecido acusações de ONG (organizações não-governamentais) – que acusam o governo italiano de restringir o acesso humanitário no Mediterrâneo Central com medidas de regulação das atividades dos navios de busca e salvamento, tais como a impossibilidade de procederem a mais de uma operação em cada saída para o mar.

Autarcas de todo o país avisam que a capacidade de acolhimento das cidades está à beira do colapso.

A incapacidade de travar as chegadas de migrantes irregulares também tem merecido à chefe de Governo as primeiras críticas vindas "de dentro" da sua coligação, com vários responsáveis da Liga a evocarem com saudosismo a 'mão dura' revelada pelo seu líder, Mateo Salvini, quando foi ministro do Interior.

Apoio incondicional de Meloni à Ucrânia tranquilizou parceiros ocidentais

A eleição de Meloni, líder de um partido com raízes neofascistas, e a formação do Governo italiano mais de direita desde Benito Mussolini, causou inquietação entre os parceiros externos de Itália, que receavam uma inversão no apoio à Ucrânia face à agressão militar russa, mas a primeira-ministra italiana superou a desconfiança.

Apesar da conhecida simpatia do falecido Sílvio Berlusconi, assim como de Matteo Salvini, pelo Presidente russo, Vladimir Putin, desde a primeira hora Giorgia Meloni foi inequívoca na continuidade do apoio de Itália à Ucrânia, tendo mesmo visitado Kiev, em fevereiro deste ano, e recebido em maio o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

Quanto à relação do novo governo italiano com a administração norte-americana e o seu papel na NATO, Meloni quis dissipar dúvidas quanto a uma mudança de rumo, deslocando-se em julho passado à Casa Branca e mantendo uma relação próxima com o Presidente Joe Biden.

“Eurorealismo” de Meloni não garante relações pacíficas com Bruxelas

O papel de Itália na União Europeia era também um foco de preocupação na sequência das eleições de há um ano, dadas as posições eurocéticas de muitos membros da coligação, mas também neste caso Giorgia Meloni desde cedo procurou dissipar a desconfiança.

Líder de um partido nacionalista que até há não muito defendia a saída de Itália da zona euro e com um parceiro de coligação (a Liga de Salvini) assumidamente eurcético, Meloni adotou desde a entrada em funções uma postura que muitos analistas consideram “eurorealista”, e mantém uma relação próxima com a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen.

No entanto, numa altura em que se intensificam as negociações sobre as novas regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, particularmente importantes para o segundo país da UE com maior dívida pública, a Itália continua a ser o único país da Zona Euro que não ratificou a reforma do Mecanismo Europeu de Estabilidade.

Também a gestão da política migratória a nível europeu constitui um fator de risco nas relações, não só porque uma parte da coligação governamental italiana advoga uma abordagem nacional, como também porque a própria Meloni – que tem preferido dirigir críticas à falta de solidariedade de alguns Estados-membros, e não às instituições da UE – balança entre a resposta comum coordenada europeia e a sua aliança com os dois países que mais se opõem ao novo pacto migratório: Polónia e Hungria.

Suspensão do rendimento mínimo gera contestação social a sul

A eliminação gradual do chamado “rendimento de cidadania”, o subsídio anti-pobreza introduzido durante o primeiro dos dois governos de Giuseppe Conte (Movimento Cinco Estrelas), em 2019, gerou as primeiras grandes manifestações contra o atual governo.

Num esforço para ‘compor’ as finanças públicas, o Governo de Meloni decidiu eliminar o rendimento, argumentando que o mesmo “custou aos italianos 25 mil milhões de euros em três anos sem produzir os resultados esperados".

O governo de Meloni anunciou a criação do “subsídio de inclusão”, que entrará em vigor em janeiro de 2024 e abrangerá as famílias mais carenciadas com pelo menos um menor, uma pessoa com deficiência ou uma pessoa com mais de 60 anos, e um “apoio à formação e ao trabalho”, dirigido a pessoas consideradas aptas para trabalhar e que terão a obrigação de procurar emprego, medidas que suscitaram forte contestação.

Finanças públicas no ‘vermelho’ condicionam cumprimento de promessas

A própria Meloni assumiu já este mês que a situação económica do país “é difícil” e assumiu como o maior desafio que o seu governo enfrenta nos próximos meses a preparação da proposta de Orçamento do Estado para 2024 “com recursos limitados”.

A queda de 0,4% do PIB no segundo trimestre, a situação difícil da Alemanha, o seu principal parceiro comercial, e atraso significativo na implementação do seu plano de relançamento financiado pelos fundos europeus (PRR), estão a pesar nas contas públicas de Itália.

Para tentar recompor os cofres públicos, além de eliminar o rendimento mínimo, o Governo decidiu também ‘atacar’ outra medida emblemática do último governo de Giuseppe Conte, um regime de incentivos fiscais muito generoso destinado a tornar as casas mais eficientes do ponto de vista energético com um custo estimado global superior a 100 mil milhões de euros.

Com uma dívida pública superior a 144% do Produto Interno Bruto (PIB) – na zona euro, só a Grécia tem mais elevada -, a margem de manobra é curta e condiciona as ambições da coligação de Meloni na elaboração do seu primeiro Orçamento do Estado.

Sondagens revelam popularidade de Meloni e falta de alternativas no centro-esquerda

Os Irmãos de Itália surgem confortavelmente no topo das intenções de voto, com 29%, superiores ao obtido nas eleições de há um ano (26%).

Os seus parceiros ‘juniores’ de coligação não crescem, e até ‘encolhem’ um pouco – a Liga e o Força Itália, que nas eleições de 2022 obtiveram 9% e 8%, respetivamente, colhem hoje 8% e 7% das intenções de voto.

Os dois principais partidos da oposição, o Partido Democrático (centro-esquerda), de Elly Schlein, e o Movimento Cinco Estrelas, do antigo primeiro-ministro Giuseppe Conte, que em 2022 obtiveram, respetivamente, 19% e 15%, ao cabo do primeiro ano de governação apenas subiram somente um ponto percentual nas intenções de voto (para 20% e 16%).