Internacional

Michel Temer: da ‘homenagem’ a Tiradentes em Portugal à crítica do presidencialismo impuro

O ex-Presidente do Brasil disse que a presença de um busto de Tiradentes (herói da Inconfidência Mineira) na Fundação Mário Soares é um testemunho de amizade entre o Brasil e Portugal. E voltou a defender a necessidade de o seu país acabar com o sistema presidencialista, que já conduziu à destituição de dois chefes de Estado em 34 anos de democracia. Interveio via Zoom numa conferência na Fundação Gulbenkian, ao lado de Cavaco e Eanes

O antigo Presidente brasileiro Michel Temer (na foto com o atual ocupante do cargo, Jair Bolsonaro) interveio à distância na conferência da Fundação Calouste Gulbenkian
Alexandre Schneider/Getty Images

Michel Temer pensa que o futuro político do seu país passa por um reforma do sistema político e pela adoção do regime semipresidencialista. Para o ex-Presidente do Brasil, o sistema semipresidencialista português “tem sido a principal base” para o projeto do deputado Samuel Moreira. do Partido da Social Democracia Brasileira, que está a ser debatido no Congresso.

Se este projeto vier a ser aprovado, “será bom para o Brasil e, neste particular, o ensinamento, com toda a franqueza, terá vindo de Portugal”, disse Temer, numa intervenção via Zoom, durante a conferência “Brasil-Portugal: Perspetivas de Futuro”, a decorrer na Fundação Gulbenkian, em Lisboa.

A posição de Temer — doutorado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e ex-professor de Direito Constitucional — não é nova. Entrevistado pelo Expresso em novembro de 2021, o ex-Presidente do Brasil defendeu a posição que voltou a defender na conferência sobre o futuro das relações entre Portugal e o Brasil: “O presidencialismo no Brasil está roto e esfarrapado. Ao longo dos 33 anos da Constituição tivemos dois impeachments [Collor de Melo e Dilma Rousseff], que são sempre geradores de traumas institucionais. Tivemos muitos pedidos de destituição, e os pedidos já criam uma instabilidade institucional. Historicamente, no Brasil, nunca tivemos presidencialismo puro. Temos, de tempos a tempos, um sistema centralizado de Governo que não é presidencialismo puro”.

Os antigos chefes de Estado portugueses Ramalho Eanes e Cavaco Silva participaram na iniciativa, que assinala os 200 anos da independência do Brasil
ANTÓNIO COTRIM/Lusa

Como símbolo de uma amizade sem ressentimentos entre o antigo país colonizador e a ex-colónia, Temer mencionou a importância das antigas “capitanias” como garantes da “integridade territorial” do Brasil. E referiu o quão importante foi para si ter visto um busto do revolucionário independentista Joaquim José da Silva Xavier — conhecido por Tiradentes, por ser dentista — na Fundação Mário Soares.

Eanes: “Futuro de paz, igualdade diferenciada, independência e democracia”

Entre Portugal e o Brasil existe uma “relação genética profunda que resistiu a todos os incómodos”, afirmou Ramalho Eanes na conferência “Brasil-Portugal: Perspetivas de Futuro”. O antigo chefe de Estado português lembra que é preciso defender um “futuro de paz, igualdade diferenciada, independência e democracia”.

Na perspetiva de Eanes, “há muito a fazer, e muitos passos ultimamente se têm dado” para uma “aproximação e cooperação maiores entre Portugal e Brasil”, graças ao turismo e à migração.

Cavaco critica longa demora na ratificação do acordo da UE com Mercosul

Outro ex-Presidente português lamentou que o Brasil só absorva 1% das exportações portuguesas. Aníbal Cavaco Silva recorda que este país é a 12ª economia do mundo, a primeira da América Latina, pertence ao G20 e é o quinto maior país do mundo.

Ratificar o acordo de comércio livre entre União Europeia e o Mercosul, que vê como urgente, será o “maior contributo” para fortalecer relações económicas entre Portugal e Brasil, na perspetiva de Cavaco. “Depois de 20 anos de negociação entre a UE e o Mercosul, os dois blocos chegaram a acordo para a constituição de uma zona de comércio livre. Ao fim de três anos, ainda não foi ratificado e não sei se algum dia será.”

A cerca de 100 dias da celebração dos 200 anos do 7 de setembro de 1822, Cavaco deseja que a UE se foque na importância deste acordo de comércio livre com o Mercosul e os parlamentos acabem por aprová-lo”. O acordo “tem de ser ratificado pelo Parlamento Europeu, por cada um dos parlamentos dos 27 estados-membros da UE e alguns dos membros da UE têm dúvidas em fazê-lo”.

O ex-chefe de Estado e de Governo disse ainda que “a oposição [à ratificação] vem basicamente dos agricultores europeus de alguns países, que receiam a competição dos produtos agrícolas brasileiros, e dos ambientalistas, que receiam que esse acordo aumente a desflorestação da Amazónia”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, também considera o Mercosul um parceiro da UE, cuja importância não se pode “subestimar”. Na sua intervenção, defendeu que “o delicado contexto atual leva-nos a valorizar, ainda mais, as vantagens mútuas do Acordo entre a UE e o Mercosul”.