Uma mexida profunda no Governo do Reino Unido, quarta-feira, está a ser lida no país como preparação das próximas eleições. Embora o calendário político britânico não exija (e até dificulte) ida às urnas antes de 2024, Boris Johnson estará a pensar num combate mais cedo e mexeu na equipa a tempo da convenção anual do Partido Conservador, no fim do mês.
Três ministros foram excluídos do Executivo, o dos Negócios Estrangeiros despromovido, outros premiados. Dominic Raab, o chefe da diplomacia que substituiu o primeiro-ministro quando este sofreu de covid-19, em 2020, passa para a pasta da Justiça. Apesar do consolo de ver oficialmente reconhecido o estatuto de vice-primeiro-ministro —o que se terá devido aos seus protestos por perder os Negócios Estrangeiros, escreve “The Guardian” —, perde um dos chamados “grandes cargos do Estado” (primeiro-ministro e titulares das Finanças, Negócios Estrangeiros e Interior).
Para o lugar de Raab entra Liz Truss, segunda mulher a ocupá-lo, depois da trabalhista Margaret Beckett nos anos 90. O complicado processo de retirada do Afeganistão terá contribuído para afastar Raab da pasta. O ministro estava num hotel de luxo em Creta (Grécia) quando os talibãs tomaram Cabul e não abreviou as férias.
Truss era ministra do Comércio Internacional, rendida agora por Anne-Marie Trevelyan. Anteriormente esteve no Ambiente, Justiça e Tesouro. É muito popular entre a militância conservadora e tem ambições de um dia chegar à liderança.
Estrela de reality-shows na pasta da Cultura
Os expulsos do elenco governativo são Gavin Williamson (Educação), substituído por Nadhim Zahaw, nascido no Iraque e até agora responsável pela vacinação contra o coronavírus; Robert Jenrick (Habitação); e Robert Buckland (Justiça), que após a demissão se queixou da falta de verbas do seu ministério.
Uma das surpresas da tarde foi a escolha de Nadine Dorries para ministra da Cultura, em vez de Oliver Dowden, que passa a gerir o Partido Conservador na preparação das eleições vindouras. Dorries é deputada e antiga estrela de reality shows, muito crítica da BBC e dedicada a guerras culturais.
Outro promovido é Michael Gove, que passa de ministro da Presidência a ministro da Habitação, Comunidades e Administração Local, mantendo a tutela da União (importante face ao separatismo escocês) e ficando encarregue de melhorar as condições de vida dos 65 milhões de britânicos, com responsabilidades sobre o Planeamento. Ainda assim, Gove, antigo candidato a lider do partido, parecia talhado para voos mais altos, ou pelo menos esperá-los-ia. Para a pasta da Presidência entra Stephen Barclay, que já foi ministro do ‘Brexit’ e do Tesouro.
Já no novo papel, Dowden — conhecedor do aparelho partidário — indicou aos funcionários do Partido Conservador que devem preparar-se para uma ida às urnas. “Não se engorda um porco no dia de ir ao mercado”, ilustrou. “É tempo de irmos para os nossos gabinetes preparar a próxima eleição.”
À procura de gente otimista
“O Governo que nomeei hoje trabalhará incansavelmente para unir e nivelar por cima todo o país. Vamos reconstruir melhor após a pandemia e cumprir as vossas prioridades”, prometeu Boris Johnson, no cargo há pouco mais de dois anos. Fonte governamental afirmou ao jornal “The Telegraph” que o chefe do Executivo quis pôr “gente otimista, capaz de fazer, determinada e esperta” nas pastas governamentais.
Com maioria absoluta desde as eleições de dezembro de 2019, Johnson mantém-se à frente do rival trabalhista, Keir Starmer, em todas as sondagens. Há muito que declarou querer abolir a regra que fixa a duração das legislaturas em cinco anos e dificulta interrompê-las, adotada em 2010. Quer devolver ao Governo a possibilidade de convocar eleições antecipadas sem pedir a aprovação do Parlamento.
Entre os mais próximos do primeiro-ministro, conservaram o cargo Priti Patel (ministra do Interior), Rishi Sunak (Finanças), Ben Wallace (Defesa), Sajid Javid (Saúde), Jacob Rees-Mogg (Assuntos Parlamentares), Kwasi Karteng (Economia), George Eustice (Ambiente), Grant Shapps (Transporte), Thérèse Coffey (Trabalho), Brandow Lewis (assuntos da Irlanda do Norte), Alister Jack (Escócia) e Simon Hart (País de Gales).
Johnson estará preocupado com as reações aos seus anúncios mais recentes: o desconfinamento pode voltar atrás se a situação sanitária o exigir; e os impostos vão aumentar para sustentar o serviço nacional de saúde e a assistência social, na sequência de ano e meio de pandemia e respetivos efeitos económicos.