Internacional

Ativista exilada no Reino Unido deixa aviso preocupante: afegãos com deficiências estão em perigo

Benafsha Yaqoobi, ativista cega que escapou do Afeganistão, alertou as potências internacionais em relação aos restantes cidadãos afegãos inválidos que poderão estar em perigo devido à interpretação religiosa dos talibãs face a pessoas com deficiência

A ativista afegã cega pelos direitos humanos Benafsha Yaqoobi diz que seus companheiros afegãos deficientes estão sem apoio e sob risco de discriminação
The Guardian

A ativista Benafsha Yaqoobi foi retirada do Afeganistão com destino ao Reino Unido e aproveitou a oportunidade para chamar a atenção internacional para o risco que correm os cidadãos afegãos com deficiência.

Benafsha, que faz parte da Comissão Afegã dos Direitos Humanos Independentes, teme que os talibãs negligenciem e discriminem pessoas com algum tipo de deficiência, dada a sua crença de que a invalidez é uma forma de "castigo pelos pecados dos seus pais".

O Afeganistão tem uma das maiores taxas de deficiência do mundo, de acordo com a Human Rights Watch - nela se inclui mais de um milhão de pessoas com ferimentos físicos em décadas de conflito. Inúmeras outras têm problemas de saúde mental, como stresse pós-traumático, depressão e ansiedade.

Os talibãs, que controlaram o país de 1996 até à sua destituição do poder após a guerra liderada pelos EUA em 2001, são conhecidos pelos maus tratos contra civis e pelas suas abordagens intolerantes, especialmente direcionadas aos direitos das mulheres, dos homossexuais e dos inválidos.

Yaqoobi, em declarações ao jornal "The Guardian", implorou ao Reino Unido e à União Europeia que concedam vistos especiais a “mulheres e pessoas com deficiências, cujas vidas se encontram em perigo", uma vez que “há milhões de pessoas inválidas sem apoio, comida, roupas, educação ou qualquer direito humano básico". "Teremos de falar por eles”, avisou.

Após uma viagem atribulada até ao aeroporto de Cabul, a ativista foi retirada do país por tropas dinamarquesas e viajou para o Reino Unido, onde está há 10 dias a cumprir quarentena num hotel. Yaqoobi planeia contactar a ativista Malala Yousafzai, para que ambas trabalhem em conjunto para ajudar quem sofre sob o regime dos talibãs.

Yaqoobi e o seu marido, Mahdi Salami, ambos cegos, foram conduzidos ao aeroporto de Cabul por um assistente que ainda permanece escondido no Afeganistão. A ativista recorda que, durante as suas três tentativas de fuga, foram espancados e pulverizados com spray de pimenta e, quando ouviu tiros, temeu que o seu marido e assistente tivessem sido mortos.

Ao "Guardian" descreveu o momento como “extremamente traumático para uma pessoa com deficiência visual". "Quando eles disparavam, era para o ar, mas eu não tinha essa perceção. Eu só chorava. Foi muito difícil para mim e eu não me conseguia controlar, só gritei.” Recorda, também, que havia crianças a cair, a serem pisadas e feridas do lado de fora dos portões do aeroporto, enquanto ela e o marido foram repetidamente empurrados para trás. Na sua terceira tentativa para escapar, o casal foi resgatado na escuridão, depois de esperar cinco horas num local remoto.

Yaqoobi acreditava que seria morta pelos talibãs se não fugisse do país, porque é uma mulher numa posição de destaque. A ativista era frequentemente reconhecida na rua e deu uma entrevista de uma hora na televisão apenas quatro dias antes da queda de Cabul.

“Fiquei muito assustada porque era demasiado conhecida. Cobri o rosto com óculos escuros e máscara e saí de casa para ver se seria reconhecida. Quando apanhei um táxi, o motorista disse que me conhecia e que me tinha visto na televisão na semana anterior”, declarou ao "Guardian".

Benafsha Yaqoobi trabalha na Comissão Afegã dos Direitos Humanos Independentes desde 2019 e, com o seu marido, fundou a Organização Rahyab para fornecer educação e treino de reabilitação para afegãos com deficiências visuais.

Nos anos 2000 a 2010, segundo o Insider, os talibãs usaram afegãos deficientes como bombistas. Um médico afegão que realizou autópsias em homens-bomba suicidas estimou que quatro em cada cinco homens-bomba tinham algum tipo de deficiência.

Desde que assumiram o poder no Afeganistão, os talibãs têm procurado garantir à população que respeitarão os direitos das mulheres e das minorias e não retornarão ao regime brutal que implementaram durante os anos 90. No entanto, relatórios que apresentam abusos contra direitos humanos básicos no país denunciam o contrário dessas promessas.

“Veremos no futuro se isso acontecerá. Mas a questão importante agora é que as pessoas estão a morrer de fome e a tentar fugir”, disse Yaqoobi, acrescentando que espera que um dia seja seguro regressar ao seu país de origem.

“Eu não tenho nada agora. Mas tenho uma grande esperança. Embora tenha sido expulsa da minha terra natal, eles não tirarão o Afeganistão do meu coração.”