Internacional

Hamas lança morteiros sobre território israelita, Israel suspende exercícios militares para se preparar para possível escalada da violência

Num conflito com décadas nunca há dias certos. Desde sexta-feira, os confrontos entre a polícia israelita e os muçulmanos que visitam a mesquista de al-Aqsa, na parte ocupada de Jerusalém, já fizeram mais de 320 feridos, dos quais 300 são civis palestinianos. Esta segunda-feira, em retaliação, a mílicia palestiniana Hamas lançou morteiros contra Israel. São os piores episódios de violência no conflito israelo-palestiniano desde a Marcha do Retorno (2018-2019)

A mesquita de al-Aqsa, muitas vezes palco de protestos dos palestinianos contra a ocupação das suas terras por parte de Israel
THOMAS COEX

A milícia palestiniana Hamas disparou esta segunda-feira à tarde pelo menos sete morteiros em direção à cidade de Jerusalém. Os projéteis foram lançados de Gaza, informaram por comunicado as Forças de Defesa de Israel (IDF, em inglês).

O Hamas, braço armado da luta dos palestinianos e considerado terrorista tanto pelos Estados Unidos como pela União Europeia, exige a Israel que se retire das zonas que nos últimos três dias foram palco de violentas investidas das autoridades do estado hebraico contra palestinianos que visitaram a mesquita de Al-Aqsa, para assinalar os últimos dias do Ramadão, mês santo do Islão. O próprio Hamas reivindicou o ataque, que classifica como como “retaliação pelos crimes e ataques de Israel”.

Um civil foi atingido quando um dos morteiros aterrou perto do seu carro, mas não há notícias de mais mortes. Já o número de palestinianos feridos desde sexta-feira, dia 7, é significativo: cerca 300, segundo a BBC, que cita uma organização de assistência humanitária palestiniana. Pelo menos 200 tiveram de receber assistência hospitalar.

Do lado israelita, pelo menos 20 polícias terão ficado feridos. São as cenas mais violentas deste conflito desde a Marcha do Retorno, quando milhares de palestinianos assomaram à fronteira com Israel, em Gaza, para exigir o regresso às suas terras.

Locais sagrados para diferentes credos

Esta segunda-feira de manhã começaram a surgir nas redes sociais vídeos e fotografias que mostram a polícia israelita a tentar dispersar crentes muçulmanos que se concentravam num dos locais mais sagrados do Islão: o Monte do Templo, onde fica al-Aqsa. Além da violência física, a polícia usou gás lacrimogéneo e granadas de atordoamento. Algumas foram lançadas para dentro da mesquita.

A mesquita de al-Aqsa, em Jerusalém, é um sítio sagrado para milhões de pessoas de religiões diferentes
Anadolu Agency/Getty

O Monte do Templo é um lugar sagrado para os judeus. Segundo a sua crença, não só foi ali que se construíram os dois primeiros templos judaicos, depois destruídos por invasores, como é o local onde Abraão terá levado o seu filho Isaac para o oferecer como sacrifício a Deus.

Já os muçulmanos acreditam que foi daqui que o profeta Maomé ascendeu aos céus. Os judeus podem visitar a área envolvente à mesquita de al-Aqsa, mas não lhes é permitido entrar no templo nem fazer qualquer prece judaica na área. Todo o complexo é administrado por uma fundação muçulmana reconhecida por Israel, a Jerusalem Islamic Waqf.

Um bairro tenso

Na origem imediata destes confrontos está a quase certa remoção de cidadãos palestinianos da zona de Sheik Jarrah, bairro na parte leste de Jersualém, onde as forças israelitas tentam instalar famílias que reclamam a zona como território de Israel, e por isso passível de ser habitada por israelitas. Os defensores dos colonatos alegam que há registos da compra destes terrenos por judeus no início do século XX e que as famílias se recusam a pagar renda a estes senhorios legítimos.

THOMAS COEX/AFP/Getty Images

É mais um exemplo da construção dos chamados colonatos, habitado por cidadãos de Israel, maioritariamente judeus conservadores, que povoam a Cisjordânia. A sua instalação torna cada mais complicado que, no meio de tantas casas israelitas, se consiga estabelecer um Estado palestiniano.

Sexta-feira a ONU considerou esta ocupação de terras palestinianas um “possível crime de guerra”. Decorre o levantamento de indícios de um caso levado ao Tribunal Penal Internacional pelas mesmas razões.

Ao início da tarde de segunda-feira, as brigadas Qassem, do Hamas, emitiram um aviso a dizer que os ataques iriam intensificar-se caso os israelitas não saíssem de al-Aqsa e Sheikh Jarrah até às 18h, hora local. Esse limite passou, seguiram-se morteiros.

Alerta máximo

Israel, entretanto já se retirou de al-Aqsa, permitindo a entrada a mulheres, crianças e homens muçulmanos com mais de 40 anos, considerados menos perigosos pelas autoridades israelitas.

Mesmo assim, Israel está em alerta máximo, com exercícios militares cancelados para que, segundo tenente-general o chefe de pessoal das IDF, Aviv Kohavi, “todo o foco esteja na preparação para quaisquer cenários de escalada de violência”, disse no comunicado citado pelo jornal “Jerusalem Post”.

A esta evacuação pendente do bairro palestiniano de Sheik Jarrah vem juntar-se, qual combustível, a celebração do “dia de Jerusalém", assinalado pelos israelitas para lembrar a data em que conquistaram o leste da cidade, na guerra dos Seis Dias (1967).

Ora, a comunidade internacional nega que o leste da cidade dividida, que tanto israelitas como palestinianos disputam como sua capital, seja território israelita. Foi conquistada por força da guerra e não deriva da demarcação inscrita nos documentos da ONU que determinaram as fronteiras do Estado de Israel.

Neste dia, é comum a procissão, pela parte muçulmana da cidade velha, de centenas ou milhares de judeus com visão extremista do conflito, que negam que a Palestina possa existir como Estado. Apesar das tensões, a marcha fez-se, mas o Governo israelita mudou à última hora o itinerário acordado com os manifestantes, para evitar confrontos, o qual não incluiu o quarteirão muçulmano nem uma das principais portas principais que separam as duas partes da cidade, a Porta de Damasco.

A polícia israelita justificou o ataque à mesquita como resposta a uma série de incidentes violentos provocados por palestinianos, que, na última sexta-feira do Ramadão, terão tentado ferir um conjunto de judeus em oração, atirando-lhes pedras.