Ao segundo dia de julgamento do (também segundo) processo de impeachment de Donald Trump, o espaço e o tempo foram dos nove senadores democratas escolhidos pela líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, que nesta situação atuam como procuradores e assumem a acusação (pode ler AQUI na íntegra o processo de destituição). Além das imagens inéditas do assalto ao Capitólio, apresentaram uma série de discursos do agora ex-Presidente norte-americano ainda durante a campanha eleitoral, onde, defendem, começou realmente o incitamento à violência.
“As provas vão mostrar-vos que o ex-Presidente Trump não foi um inocente espetador”, começou por dizer o representante pelo estado do Maryland, Jamie Raskin, perante os representantes presentes na mesma sala que a 6 de janeiro teve de ser evacuada de emergência devido à entrada à força de centenas de apoiantes pró-Trump. “Vai mostrar-vos que Donald Trump abdicou do seu papel como comandante-em-chefe e tornou-se um incitador-em-chefe de uma perigosa insurreição”, continuou, referindo-se às ações do anterior Presidente como “a maior traição da História dos EUA ao juramento presidencial.”
Se Raskin disse não ter ficado totalmente surpreendido pelo acontecimento, pois houve “um claro incitamento”, coube ao representante pelo estado do Colorado, Joe Neguse, apresentar três expressões proferidas por Trump nas semanas anteriores ao ataque e que a acusação considera fundamentais:
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“A grande mentira” - apresentada pela acusação como a expressão de Trump para dizer que a eleição era manipulada;
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“Parem o roubo” - considerada pelos procuradores como o apelo do Presidente aos apoiantes pró-Trump;
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“Lutem com tudo para parar o roubo” - descrita como um apelo à luta.
“À medida que vão avaliando os factos que vos vamos mostrar, torna-se claro de onde é que esta mobilização veio. As palavras do Presidente Trump, tal como vocês viram a 6 de janeiro, (...) tinham um sentido muito específico para a multidão”, disse Neguse após mostrar o vídeo de um discurso de Trump. “E como sabemos isso? Porque nas semanas imediatamente anteriores, durante e depois das eleições, usou exatamente as mesmas palavras vezes e vezes sem conta”, acrescentou. “À medida que o Presidente fazia estas declarações, as pessoas ouviam. Apoiantes armados vigiavam as casas de funcionários da Casa Branca, o secretário de Estado da Geórgia recebeu ameaças de morte. Membros da Administração avisaram o Presidente de que a sua retórica era perigosa e que iria resultar em violência fatal.”
Ao longo das várias horas da sessão os procuradores não deixaram dúvidas de que Trump foi o responsável pelo o incitamento à violência, quer pelos seus discursos, quer pelos constantes tweets. Aliás, Neguse referiu mesmo que o então Presidente criou apenas um “cenário possível'': a sua vitória nas eleições. Caso contrário, perder era porque o resultado tinha sido manipulado.
Sobre o dia do ataque, os procuradores fizeram uma reconstituição dos acontecimentos, mostrando também imagens da retirada dos membros da câmara dos representantes da sala. Lembraram ainda que os manifestantes mostraram intenções de “executar [Mike] Pence”, vice-presidente que se encontrava no local para validar a vitória de Joe Biden, e ainda “apanhar Nancy Pelosi”.
À hora em que este texto é publicado, os senadores tinham retomado há instantes a sessão após uma pausa para jantar. Após a apresentação dos procuradores, segue-se nos próximos dias a apresentação dos advogados de Trump - têm 16 horas ao longo de dois dias para expor a argumentação. De acordo com a CNN, os representantes esperam que até sábado à noite o julgamento esteja concluído.
A condenação de Trump no Senado não parece provável. Seria preciso maioria de dois terços, ou seja, 67 senadores. Para isso, 17 republicanos teriam de se associar aos democratas. Na votação de terça-feira, só seis se dispuseram a fazê-lo. Caso seja condenado, o ex-chefe de Estado pode ver-se impedido de concorrer a futuras eleições.