O Brasil teve tempo e informação suficiente para se preparar para a pandemia. Que poderia ter sido feito no início e não foi?
Praticamente ninguém teve tempo de se preparar. A maioria dos lugares subestimou o que seria esse problema. A própria Organização Mundial da Saúde, no começo, reagiu devagar. E foi muito difícil as pessoas tomarem algumas decisões. No Brasil, o primeiro caso aconteceu no último dia de Carnaval, e provavelmente as aglomerações devem ter facilitado a disseminação da doença. É muito difícil tomar decisões como cancelar o Carnaval, que é superimportante no país, tem um impacto económico enorme, sem ter havido um caso. Há a dificuldade de se estar a aprender sobre a doença. Nunca tivemos nada tão grave nos últimos 100 anos. Comparamos muito com a gripe espanhola, por isso acho que era muito difícil dimensionar o que ia acontecer. Alguns países tiveram atuações mais rápidas. Um fecho de fronteiras mais precoce talvez tivesse tido maior impacto. Dentro do Brasil, medidas de distanciamento podiam ter-se aplicado um pouco antes… mas acho muito difícil saber. sabemos que é importante distanciar, quanto mais isolado melhor, mas quando deixa de haver uma abordagem mais radical, tipo isolamento total, lockdown, que diferença faz, dependendo do momento em que a doença entrou no país? Que acontece em relação a serviços essenciais que é preciso manter, que acontece com pessoas jovens que saem e voltam para casa e podem contaminar os mais velhos e de risco, qual é a capacidade de isolar? No Brasil há muitas desigualdades, aquelas favelas ou lugares mais pobres, como pegar nessa pessoa e colocá-la num lugar mais isolado? Os sistemas de saúde em geral também não estavam preparados com a velocidade necessária para ter mais testes, desenhar uma política de testagem. Lugares como a Coreia do Sul, citados como exemplo, fizeram muito menos exames do que a Inglaterra, e a evolução foi diferente. Portanto, não é só ter o recurso, é como se usa. Ainda não temos conhecimento detalhado e sofisticado de como as interações interferem no resultado final.
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Ex-ministro da Saúde de Bolsonaro e a covid-19: Portugal teve “abordagem melhor do que a grande maioria dos países da Europa”
Nelson Teich foi ministro da Saúde do Brasil menos de um mês. Saiu em maio devido a divergências com Jair Bolsonaro — o segundo médico consecutivo a abandonar o cargo — e ainda não tem substituto. Nesta parte da entrevista ao Expresso fala sobre a gravíssima situação pandémica no seu país e alimenta esperanças na investigação que visa conseguir uma vacina para a covid-19. Na edição semanal impressa pode ler o resto da entrevista, em que Teich se debruça sobre a forma de governar do Presidente e do anúncio de que este foi contagiado