Donald Trump chegou à Sala Oval irritado pela forma como estava a ser retratado pelos meios de comunicação social norte-americanos: perante os protestos que já se prolongavam há uma semana, o presidente escondeu-se num bunker na Casa Branca. Escreve o jornal “The New York Times”, que Trump ansiava por exterminar essa imagem e sugeriu mostrar aquilo que acha ser a força de um líder: enviar militares para as várias cidades onde continuavam as manifestações contra a morte do afro-americano George Floyd às mãos da polícia. Foi demovido e terá mesmo sido uma sugestão da filha, Ivanka Trump, que pareceu mais adequada a todos os conselheiros e ao presidente: caminhar pelo Lafayette Square até à igreja em frente à Casa Branca que tinha sido queimada durante a noite anterior no decurso dos protestos. E Trump aceitou.
“Não podem queimar uma igreja mesmo à frente da Casa Branca, era essa a mensagem do presidente”, garante uma fonte da Administração, citada pelo “Washington Post”. Além de pouco mais de 200 metros e cerca de três minutos de caminhada, a separar Trump da Igreja Episcopal de São João estavam milhares de manifestantes na Lafayette Square.
Era segunda-feira e Trump queria fazê-lo nesse mesmo dia. Nenhum plano de segurança tinha sido preparado, não havia nada definido para que presidente percorresse o caminho. De acordo com “The New York Times”, William P. Barr, procurador-geral norte americano (cargo que acumula com a tutela da pasta da Justiça), foi pessoalmente fazer a inspeção, tendo então dado conta que os manifestantes ainda permaneciam no lado norte da praça. A solução? Expulsar os protestantes - e foi Barr a dar a ordem.
Assim, ao mesmo tempo, em conferência de imprensa antes da visita surpresa à igreja, Trump declarava-se o “presidente da Lei e Ordem” e uma “aliado dos protestantes pacíficos, os protestantes eram afastados de modo a garantir um caminho vazio e seguro para o presidente. E então, Trump percorreu a Lafayette Square, posou junto à entrada da igreja agarrando com as mãos uma Bíblia que a filha, sublinha o “New York Times”, havia tirado momentos antes “da sua mala MaxMara de $1540 [cerca de €1374]”.
“O resultado das fotografias de Trump caminhando propositadamente pela praça satisfez o seu longo desejo de projectar força, imagens que os membros da sua equipa de campanha para a reeleição rapidamente puseram a circular e fixaram no Twitter quando o presidente já se encontrava em segurança e de regresso à fortificada Casa Branca”, escreve o “New York Times”.
“Quando a história da presidencia de Trump for escrita, os confrontos na Lafayette Square vão ser recordados com um dos momentos definidores”, acrescenta ainda a publicação norte-americana.
A preparação
Quando na manhã de segunda-feira Trump se reuniu com os seus conselheiros, além de enviar a Polícia Militar, chegou a ser um possibilidade invocar a Lei da Insurreição, uma legislação centenária que permite que sejam enviados militares para cidades norte-americanas com o objetivo de controlar rebeliões e reprimir a ilegalidade, retirando poder aos governadores dos vários estados - a última vez que foi utilizada foi em 1992 por George Bush no estado da Califórnia.
O vice Mike Pence era a favor da ideia, dá conta o “New York Times”, assim como o secretário da Defesa, Mark T. Esper. Ambos defendiam que os militares poderiam por fim ao protesto e agir mais rapidamente do que a Polícia Nacional. No entanto, Barr e o general Mark Milley, chefe do Estado-maior da Forças Armadas, desaconselharam a ideia. A discussão do que fazer prolongou-se por várias horas, chegando mesmo a escalar alguma tensão entre os vários conselheiros. Seguiu-se uma chamada de vídeo de Trump e Pence com os governadores de Estado - terão sido feitos duras críticas, com o presidente a considerá-los “fracos e idiotas”.
Do lado de fora, depois de uma manhã mais calma junto à Casa Branca, a meio do dia já cerca de mil manifestantes se reuniam no lado norte da Lafayette Square. Desta vez de forma totalmente pacifica, conta a imprensa norte-americana. “Houve alguns momentos mais tensos, mas foi pacífico”, descreve ao “New York Times” a reverenda Gini Gerbasi. Já prevenidos, os manifestantes preparam garrafas de água com sabão para lavar rapidamente os olhos caso a polícia voltasse a usar gás lacrimogéneo.
Os créditos do que aconteceu depois são atribuídos diretamente a algum membro da família Trump: Ao próprio presidente, à filha Ivanka e eventualmente até ao genro Jared Kushner. No entanto, de acordo com uma reunião posterior, o chefe de gabinete Mick Meadows refere que a ideia de caminhar e ir até à igreja terá mesmo partido de Ivanka Trump. Quase de imediato começaram os preparativos, tinham pouco tempo - aliás, a bispo responsável por aquele local de culto garante não ter sido avisada, tendo sido surpreendida pelas imagens transmitidas na televisão.
Os serviços secretos entraram em acção para assegurar a segurança do POTUS, ficava então por definir o que Trump faria uma vez chegado ao local. Os jornalistas foram avisados da conferência de imprensa no jardim mas não da visita. Entretanto, já Barr percorria o local e percebia que o perímetro de segurança não tinha sido alargado. “Reuniu-se com as autoridades e basicamente disse: isto tem de ser feito, arranjem forma”, refere ao “Washington Post” uma fonte do Departamento de Justiça.
O tempo escasseava e o calendário estava definido, não era possível alterar. A qualquer instante Trump estaria a falar aos jornalistas. E, então, Barr deu a ordem.
O empurrão
O que até então era um protesto pacífico, transformou-se no caos. Às 17h07, carrinhas carregadas de membros da Guarda Nacional chegaram à zona norte da Lafayette Square. Membros dos Serviços Secretos e snipers posicionaram-se em locais estratégicos do telhado da Casa Branca. E quando o presidente falava, alguns agentes ajoelharam-se no chão - um movimento semelhante ao que vários polícias fizeram em algumas cidades por todo o país, um gesto de solidariedade para com os protestantes. Mas este ajoelhar era diferente: estavam a colocar no rosto máscaras de proteção.
Às 18h17 uma frente de agentes que vestiam equipamento dos Serviços Secretos avançou sob os protestantes. Mais tarde, as autoridades garantiram que pedir três vezes às pessoas que se afastasse de livre vontade. Quer os manifestantes que os jornalistas presentes no local dizem não ter ouvido qualquer tipo de alerta - aliás, na terça-feira, o autarca da cidade viria a garantir em conferência de imprensa não ter visto “qualquer tipo de provocação que justificação o uso de munições, especialmente quando o propósito era o presidente atravessar a rua”.
Um agente químico foi lançado, ouviram-se granadas de som e a polícia foi em direção aos protestantes. Às 18h43 Trump disse o que tinha a dizer aos jornalistas, terminou sete minutos depois. Viria a ressurgir no lado norte da Casa Branca e então atravessar a Lafayette Square. Uma vez chegado à Igreja Episcopal de São João, alinhou-se com os conselheiros que o acompanhavam e agarrou na Bíblia. “Não tinha qualquer outra intenção além de posar para os fotógrafos”, referem os repórteres do “New York Times”.
Demonstração feita, fotografia tirada e regresso à Casa Branca.
No entanto, os manifestantes continuaram a ser perseguidos pelas autoridades durante o resto do dia e da noite, até com recurso a helicópteros militares.
No dia seguinte, já os manifestantes estavam de volta à Lafayette Square. Gritavam o seu descontentamento uma vez mais. Mas agora encontravam vedações mais altar que tinha sido erguidas durante a noite.
De acordo com o “Washington Post”, várias instituições envolvidas recusaram responder a questões sobre o que se passou na tarde e noite desta segunda-feira. Também a Casa Branca recusou comentar. Já várias fontes da Guarda Nacional asseguraram à publicação que não tiveram qualquer tipo de papel na decisão e que não atingiram protestantes com balas de borracha ou gás lacrimogéneo. Por fim, uma porta-voz do departamento de Justiça confirmou apenas que Trump deu indicações diretas a Barr para coordenar a resposta.