Internacional

Twitter mostrou ‘cartão amarelo’ a Trump e este virou o jogo a seu favor

A rede social favorita do Presidente dos Estados Unidos considerou dois tweets de Donald Trump infundados e sugeriu aos leitores a verificação dos factos. O visado protestou, mas não abandonou o Twitter e até inventou uma teoria da conspiração que inclui acusações falsas de homicídio. A menos de meio ano das eleições, e com taxas de aprovação negativas, a interferência na sua “liberdade de expressão”, de que acusa o Twitter, pode ter utilidade política
No Twitter, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem mais de 80 milhões de seguidores. É a sua forma favorita de falar em público
Win McNamee / Getty Images

A rede social Twitter assinalou, pela primeira vez, dois tweets do Presidente dos Estados Unidos, disponibilizando um link de verificação de factos. Publicados na terça-feira, neles Donald Trump descredibilizou o voto por correspondência nas eleições presidenciais de 3 de novembro, recurso encarado por vários estados norte-americanos para contornar as dificuldades criadas pela pandemia de covid-19.

“As caixas de correio serão assaltadas, os boletins serão forjados e até impressos ilegalmente e assinados de forma fraudulenta”, vaticinou Trump. “Esta eleição será uma fraude. Não pode ser!”

Nos dois tweets que a mensagem ocupou, o Twitter adicionou um link — escrito a cor azul e sinalizado por um ponto de exclamação — que remete para uma página criada pela plataforma, com informação factual que rebate as imprecisões do Presidente, publicada em órgãos de informação ou divulgada por utilizadores credíveis.

Trump não gostou e procurou transformar a polémica desencadeada pela sua rede social favorita em proveito próprio. “O Twitter está agora a interferir na eleição presidencial de 2020. Está a dizer que a minha declaração sobre boletins de voto por correspondência, que conduzirá a corrupção em massa e fraude, está incorreta, com base em verificação de factos feita pela ‘Fake News CNN’ e pelo ‘Amazon Washington Post’. O Twitter está a sufocar completamente a LIBERDADE DE EXPRESSÃO, e eu, como Presidente, não deixarei que isso aconteça!”

Na origem desta entrada em cena da empresa tecnológica está uma teoria da conspiração urdida pelo próprio Trump na mesma rede social, à volta de uma mulher chamada Lori Klausutis que morreu em 2001, de complicações cardíacas, quando trabalhava para Joe Scarborough, então congressista republicano eleito pela Florida.

Scarborough é hoje apresentador de um talk-show matinal na MSNBC e um dos ódios de estimação de Trump, que lhe chama ‘Psycho Joe Scarborough’. No Twitter, Trump insinuou que o ex-congressista estaria envolvido na morte de Lori.

Numa carta enviada a 21 de maio a Jack Forsey, CEO do Twitter, tornada pública na terça-feira, o viúvo de Lori pediu que as mensagens de Trump sobre o caso fossem apagadas. “Os tweets do Presidente que sugerem que Lori foi assassinada — sem provas (e contrariando o resultado da autópsia) — são uma violação das regras e dos termos de utilização do Twitter. Um utilizador comum como eu seria banido da plataforma por um tweet desses mas eu apenas peço que esses tweets sejam removidos”, escreveu Timothy Klausutis.

“Peço-vos que intervenham neste caso, porque o Presidente dos EUA apropriou-se de algo que não lhe pertence — a memória da minha esposa morta — e perverteu-o em nome de ganhos políticos.”

Sem filtro, para mais de 80 milhões de seguidores

O Twitter não apagou os posts de Trump, mas decidiu passar a sugerir ao leitor a “obtenção dos factos” sobre o assunto em questão. Os tweets do Presidente “contêm informações potencialmente enganosas sobre os processos de votação e foram assinalados para que seja fornecido contexto adicional”, justificou Katie Rosborough, porta-voz da tecnológica.

Com estes alertas, o Twitter abriu a ‘caixa de Pandora’. O protagonismo que Trump lhe dá contribuiu para atrair muitos utilizadores. Atualmente, o chefe de Estado ‘fala’ sem filtro e várias vezes ao dia para mais de 80 milhões de seguidores, muitas vezes em registo mentiroso, impreciso e intimidatório.

Se no passado a rede social sempre resistiu à pressão para que não pactuasse com falsidades expressas por Trump — já apagou publicações de Jair Bolsonaro, por exemplo —, após este precedente estará sob forte escrutínio relativamente à forma como irá tolerar algumas ‘tiradas’ do Presidente norte-americano.

Um trunfo político a não desperdiçar

A curto prazo, a polémica servirá para que Trump se mostre como um líder combativo a quem querem calar — até o Twitter. Tudo acontece a menos de seis meses das eleições presidenciais de 3 de novembro, com evidente interesse político para a sua campanha, em especial numa altura em que a gestão da crise provocada pelo novo coronavírus — prestes a atingir os 100 mil mortos no país — lhe atribui taxas de aprovação abaixo dos 50%.

“Sempre soubemos que Silicon Valley [onde estão sediadas as grandes tecnológicas, como o Twitter] faria todos os esforços para obstruir e interferir com o Presidente Trump, passando a sua mensagem aos eleitores”, reagiu Brad Parscale, diretor da campanha Trump 2020.

Menos de 24 horas após publicar os tweets assinalados pelo Twitter como infundados, Trump já voltou à rede pelo menos 40 vezes, no seu estilo de sempre. Numa delas escreveu: “Hoje ultrapassamos os 15 milhões de testes, de longe a maior quantidade do mundo. Abrir [o país] em segurança!” Será caso para o Twitter intervir?