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Autoridades italianas protagonizam rusga das antigas: 91 membros da máfia com ordem de prisão

Num clima de pandemia as pessoas recolhem ajuda de todas as fontes disponíveis. A máfia siciliana ainda tem ramificações por toda a Itália e está a aproveitar as extremas dificuldades económicas que muitas zonas mais pobres atravessam para voltar a tomar conta de vários negócios. Esta terça-feira, 91 suspeitos de associação criminosa foram detidos pela polícia italiana

NurPhoto/Getty

As redes de negócios ilícitos estendem-se da cidade mais a oeste da ilha da Sicília até ao topo do país. De Palermo a Milão, a máfia continua a operar, a diversificar investimentos e a recrutar nomes insuspeitos para as suas fileiras. Com esta espécie de crise económica-relâmpago, provocada pelo novo coronavírus, pelos despedimentos em massa, pela falta de liquidez de grande parte do comércio pequeno, as oportunidades da máfia multiplicam-se.

Ao jogo online e ao tráfico de droga voltam a juntar-se a velhinha extorsão e não faltam histórias na imprensa italiana e internacional de famílias que, sem dar a cara, admitem ter aceitado empréstimos de desconhecidos. Desconhecidos talvez do cidadão comum, mas há muito na lista das autoridades, desde os temíveis anos 80 que fizeram de Palermo uma cidade confundível com Beirute em plena guerra civil. Esta terça-feira, uma ação em várias frentes (Sicília, Lombardia, Piemonte, Ligúria, Veneto, Emilia Romagna, Toscana, e Campânia) resultou em 91 detidos.

Os Fontana tinham como base das suas operações a região oeste da cidade de Palermo e as suas principais fontes de rendimento sempre foram e ainda são as corridas ilegais de cavalos, a exploração da construção naval nos estaleiros de Palermo a extorsão e o jogo mas também detém controlo de dezenas de supermercados, talhos, bares e outros locais de diversão noturna.

A família havia transferido uma boa parte das suas operações para Milão já no início dos anos 90, quando em Palermo uma série de juízes pouco simpáticos (para a máfia, claro) prenderam mais de 350 cabecilhas. Também os membros de um outro clã mafioso com operações espalhadas por todo o país mas com raízes no sul, o Arenella, sofreu duras baixas entre os efetivos.

Pelo lado dos Fontana foram presos esta manhã Gaetano, de 44 anos, Giovanni, com 42, e Angelo, 40, filhos de Don Stefano, um dos homens mais leais ao infame Salvatore ‘Totò’ Riina, o mais temido de todos os líderes mafiosos sicilianos do século XX, culpado por ordenar o assassinato de centenas de pessoas, incluindo dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino e do antigo governador da Sicília, Piersanti Mattarella, irmão do atual Presidente de Itália. Recebeu 26 penas de prisão perpétua e cumpriu-as, até morrer com problemas de coração em 2017, numa solitária. Alguns dos homens presos esta manhã são herdeiros seus. A mulher e a filha de Stefano, morto em 2013, também foram presas.

A família Fontana, uma das mais perigosas da máfia siciliana a par com os Ferrante, deslocou mesmo a sua morada fiscal para o norte de Itália e lá trataram de começar a recrutar funcionários de entre os mais variados grupos sociais. Uma das grandes surpresas desta rusga foi a prisão de Daniele Santoianni, ex-concorrente da edição número 10 do Big Brother italiano, usado como testa de ferro para diversos negócios como a comercialização de cápsulas de café, um negócio para lavar o dinheiro das atividades económicas ilegais que mantinham pelo país todo. Em declarações aos investigadores, Santoianni terá dito, escreve esta manhã o "Corriere Della Serra": “Sou vítima da crise económica”.

Esta frase de Santoianni pode parecer uma desculpa para amenizar a eventual pena mas o juiz que deu ordem para esta enorme operação, Piergiorgio Morosini, explicou num comunicado que os tempos de dificuldade económica que se vivem por toda a Itália estão a levar pessoas a ceder às “ajudas” da máfia, pessoas que nunca pensariam em pactuar com a máfia há meio ano. "Atualmente, as medidas de distanciamento social e o bloqueio em todo o território nacional levaram à interrupção total de muitas atividades produtivas (...). As consequências desta situação naturalmente também preocupam Palermo, em particular os distritos com maiores dificuldades socioeconómicas, incluindo Arenella e Acquasanta que podem resvalar para um contexto muito favorável à retoma da atividade de associação criminosa no território de origem”.

O mesmo juiz acrescentou ainda que o recrutamento de novos membros também fica mais facilitado nestas alturas porque as pessoas não encontram outras saídas mas alertou para o facto de que muitas das empresas agora “auxiliadas” pela máfia podem nunca mais voltar aos seus donos.