Internacional

Coronavírus: como Trump garantiu que a resposta americana seria desastrosa

O discurso feito pelo presidente na noite de quarta-feira foi criticado pelo que disse e pelo que não disse

SAUL LOEB/GETTY IMAGES

O discurso feito esta quarta-feira por Donald Trump, no qual anunciou aos americanos a suspensão, durante um mês, das viagens entre os Estados Unidos e a Europa - ou, mais precisamente, os 26 países do espaço Schengen - foi criticado por vários motivos. Um, por o Reino Unido ter ficado de fora, quando o número de casos em terras britânicas tem vindo a crescer acentuadamente. O motivo poderá ter a ver com a estreita ligação política entre Trump e o primeiro-ministro Boris Johnson. Em relação à União Europeia, Trump tem-se mostrado geralmente hostil, chegando a apoiar publicamente o Brexit quando do referendo em 2016.

O discurso de Trump também foi criticado por uma série de erros que cometeu enquanto o lia. Além de ter falado da Europa como um todo quando não é disso que de trata - demonizando um conjunto de países que são aliados tradicionais dos EUA, aos quais acusou de não terem controlado as entradas de cidadãos chineses - Trump falou em "comércio e carga" quando se referiu ao que vai ficar proibido de entrar nos EUA durante um mês. Na realidade, a proibição aplica-se unicamente a pessoas. E esse tipo de proibição parece ser especialmente útil quando se procura evitar a entrada de uma doença num país, não quando o surto já se está a espalhar rapidamente, como parece ser o caso nos EUA.

Nada sobre a falta de meios para realizar testes

Acima de tudo, o discurso foi notado por aquilo que não mencionou; nomeadamente, os alertas de saúde pública (por exemplo, sobre o imperativo de lavar as mãos) e as falhas que tem havido em disponibilizar kits para fazer o teste do coronavírus. Enquanto um país como a Coreia do Sul efetuou mais de 130 mil testes, nos EUA não mais de sete mil testes haviam sido realizados até ao início de março. No entanto, o presidente tem insistido que toda a gente que quiser fazer um teste pode fazê-lo. Ele próprio, ao que parece, ainda não fez, embora tenha estado recentemente com pessoas infetadas em eventos políticos.

Trump foi ainda criticado por ter dito que a indústria seguradora vai cobrir os custos dos tratamentos do Covid-19. Na realidade, o que as seguradoras acordaram foi cobrir os custos dos testes, não os dos tratamentos.

Em 2014, quando eclodiu a epidemia de ébola em África, o então presidente Barack Obama criou uma equipa multidisciplinar para lidar com o assunto - tratando da doença em África e impedindo o alastramento para os EUA. Uma vez passada a crise, os EUA passaram a ter um departamento especializado em prevenção de pandemias. Esse departamento foi encerrado por Trump em 2018, como parte de cortes extensos que atingiram diversas áreas da saúde.

Despreparação

"Mesmo que ele tivesse previamente abolido o departamento de preparação para as pandemias na Casa Branca, devia ter posto alguém à cabeça [do combate ao Covid-19] na Casa Branca. Isso era a primeira coisa. Não tivemos ninguém até à semana passada, quando encarregou [o vice-presidente Mike] Pence. Foi muito tempo perdido em janeiro e fevereiro princípio de março", disse Ron Klain, o homem que coordenou a resposta ao ébola em 2014, numa entrevista à revista "The Atlantic".

Afirmando que os EUA se "desprepararam" por causa do que foi feito às estruturas de saúde relevantes, Klain notou a diferença entre o que os profissionais dizem em privado sobre a gravidade da situação agora e o que Trump tem dito em público, nomeadamente a sua tentativa de minimizar o problema. Trump e os seus aliados nos media, entre eles o radialista Rush Limbaugh, têm ido ao ponto de sugerir que a gravidade da situação está a ser empolada pelos democratas para fazer a Bolsa descer e, assim, impedir a sua reeleição. Sondagens têm indicado que os eleitores republicanos têm duas vezes menos probabilidade de levar a sério os alertas públicos.

"Isso inquestionavelmente tem um efeito sobre a intensidade e o ritmo da resposta", conclui Klain.