Internacional

Cessar-fogo urgente é a missão de Erdogan e Putin em Moscovo

Presidentes turco e russo encontram-se esta quinta-feira em Moscovo para tentar esfriar a tensão crescente na região síria de Idlib. Evitar a guerra direta é prioridade

Mikhail Metzel/Getty Images

Quando se encontrarem esta quinta-feira à tarde, em Moscovo, os presidentes russo, Vladimir Putin, e turco, Recep Tayyip Erdogan, terão como objetivo conseguir um cessar-fogo em Idlib. Nas últimas semanas, confrontos naquela região no noroeste da Síria, fronteiriça à Turquia, provocaram 36 mortos entre as forças de Ancara, vítimas de ataque aéreo. As baixas foram reconhecidas pelos turcos, que tinham lançado uma ofensiva contra o regime sírio de Bashar al-Assad, apoiado pela Rússia.

Em retaliação a Turquia matou soldados sírios (perto de 3000 na última semana, segundo Ancara), utilizando drones, e diz ter abatido três aviões e destruído veículos militares do regime, na chamada “operação Escudo da Primavera”. Há também vítimas civis, lembra o canal Al-Jazeera. A organização de defesa cívica síria Capacetes Brancos refere 16 civis mortos por ataques russos em Idlib.

Moscovo tem movido tropas na região em dias recentes, segundo a agência Reuters, reforçando as suas posições no país que é seu único aliado no Médio Oriente e em cuja costa mediterrânica fica a importante base naval de Tartus. “A vitória na Síria tornou-se uma questão de prestígio para a Rússia e, pessoalmente, para Putin”, disse à agência AFP o analista Yuri Barmin. A Al-Jazeera cita a perita Marianna Belenkaya, que assegura que Putin quer forçar Erdogan “a aceitar uma nova realidade no terreno”.

Evitar guerra aberta

Evitar um confronto direto entre tropas russas e turcas é o que motiva a ida de Erdogan à capital russa. O encontro desta quinta-feira foi arrancado a ferros, depois de Putin ter rejeitado uma proposta do dirigente turco para uma reunião entre ambos que incluísse ainda o Presidente francês Emmanuel Macron e a chanceler alemã Angela Merkel.

“Estabelecer um cessar-fogo rapidamente” é o que propõe Erdogan, que para tal exige que as tropas sírias recuem para as linhas definidas num acordo mediado pelos russos, em 2018, e assinado em Sochi. Do Kremlin vem apenas a promessa de estudar “medidas conjuntas”, pela boca do porta-voz Dmitri Peskov. Moscovo apoia – sobretudo com força aérea – o regime de Assad, que quer retomar o controlo da totalidade do seu território, perdida no âmbito da guerra civil iniciada em 2011 e que visou derrubar a ditadura.

Rússia e Turquia acusam-se mutuamente de violar o pacto, que estabeleceu uma zona-tamão e permitiu criar 12 postos de observação turcos em Idlib. Ancara afirma que os russos têm permitido ataques sírios às suas forças em Idlib, ao passo que Moscovo acusa a Turquia de apoiar “grupos armados ilegais” e “terroristas” que são alvos legítimos de Assad. Foi sempre assim que o regime sírio qualificou os vários rebeldes, que incluem organizações jiadistas.

“As posições fortificadas dos terroristas fundiram-se com os postos de observação turcos”, acusou um porta-voz do Ministério da Defesa russo, citado pelo diário “The Guardian”. Uma das forças mais presentes em Idlib é o grupo armado Hay’et Tahrir al-Sham, antiga filial da Al-Qaeda que a Rússia, mas também a Turquia, consideram terrorista.

Um milhão de deslocados

Erdogan – cujo país alberga cerca de quatro milhões de refugiados do Médio Oriente, na maioria resultantes de nove anos de guerra síria – quer travar esse influxo e tem exigido ajuda à Europa para “soluções políticas e humanitárias”. A recente investida síria (desde dezembro) e os ataques turcos em Iblid geraram perto de um milhão de deslocados, segundo as Nações Unidas.

Há dias o chefe de Estado turco abriu as fronteiras a refugiados e migrantes que desejam ir para o Velho Continente, fazendo alastrar a crise à vizinha Grécia, cujas autoridades reprimiram com dureza o avanço das famílias que queriam entrar no seu território.

Do outro lado do Atlântico vêm promessas de ajuda “à Turquia, aliada na NATO” contra a “desprezível” ação de russos e turcos, vindas do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América. “Estamos a ponderar opções para melhor apoiar a Turquia nesta crise.” A carta da NATO considera, no seu artigo V, que um ataque a um Estado-membro é um ataque a todos os aliados, pelo que uma guerra direta entre turcos e russos teria vastas implicações.

A especialista Belenkaya, ouvida pela Al-Jazeera, considera que “a Rússia e a Turquia simplesmente não podem dar-se ao luxo” de entrar em conflito armado aberto. embora apoiem lados diferentes, os seus fins na região não são alcançáveis sem algum nível de entendimento entre ambas. Há, de resto, interesses cruzados: assinaram no ano passado uma cordo de fornecimento de sistemas de defesa russos a Anacara; Moscovo está ajudar a construir uma central nuclear em Akkuyu, no sul da Turquia; e entrou em funcionamento em janeiro último o gasoduto TurkStream, que corre da região russa de Krasnodar até Kiyiköi, na Turquia europeia, atravessando o Mar Negro.