Lauren Harper, 26 anos, confessa-se membro da “geração micro-ondas”. Farta de políticos que levam uma “eternidade” para cumprir promessas, deseja alguém que funcione como o eletrodoméstico. “Carrega-se no botão, espera-se uns segundos e já está.”
CEO da City Bright, firma de consultoria política na cidade de Columbia, estado da Carolina do Sul, esta afro-americana recorda ao Expresso que, no princípio da campanha para as primárias democratas, sentia-se “orgulhosa”. Olhava para o elenco de pretendentes e via “caras novas” representativas da diversidade americana, dos negros Kamala Harris e Cory Booker ao latino Julian Castro, passando por Andrew Yang, filho de migrantes oriundos de Taiwan.
“Agora nem por isso”, lamenta. “São todos muito sólidos, mas representam mais do mesmo. Por isso votei no micro-ondas fraquinho que havia”, referindo-se a Bernie Sanders, o senador representante da ala progressista, que capitaliza neste estado e a nível nacional essencialmente junto dos jovens.
Porém, 60% do eleitorado democrata da Carolina do Sul é negro. Deste, mais de metade tem acima de 40 anos e considera-se moderado ou até mesmo conservador. Consequência? Joe Biden venceu as primárias deste sábado, a quarta etapa do processo de nomeação do candidato democrata às presidenciais de novembro, recolhendo 23 dos 54 delegados em disputa (dados provisórios, com a contagem ainda por terminar). Em vários condados arrecadou maiorias superiores a 70%.
“Há poucos dias todos nos davam como mortos. Hoje, graças a vocês, estamos mais vivos do que nunca”, afirmou Biden no discurso de vitória. “Se me nomearem, acredito que Trump tem os dias contados.”
Tratou-se do primeiro triunfo do antigo vice-presidente dos Estados Unidos, conhecido por aquelas paragens mais pela fiabilidade do que pela oratória exuberante. Na passada quarta-feira, o congressista Jim Clyburn, 79 anos, um político popular naquele estado, recordou isso mesmo. “Conheço o Joe. Conheço o seu carácter, coração e currículo. Joe Biden sempre apoiou o povo da Carolina do Sul. Nós conhecemos o Joe. E, mais importante do que tudo, o Joe conhece-nos.”
Apesar do desfecho, Laura não aparenta grande desilusão. “Em novembro votarei seja em quem for. Trump é demasiado mau. No fundo acho que ficamos mal habituados com Obama, pois ele era o candidato perfeito.”
O sufrágio deste sábado encerrou o primeiro mês de primárias. Pete Buttigieg venceu no Iowa e Sanders no New Hampshire e no Nevada, recolhendo o maior número de delegados - até agora possuía 45, sendo que o vencedor terá de juntar 1990 de um total de 3979.
Com cerca de um terço desses mesmos delegados em jogo (1357), a Super Terça-Feira será por isso fundamental para as aspirações dos concorrentes, entre eles o magnata Michael Bloomberg, até agora ausente. Só a Califórnia e o Texas distribuem 415 e 228, respetivamente.
Em declarações ao Expresso na passada quinta-feira, Kitty Kurth, diretora de uma das maiores organizações de recolha de fundos afeta ao ex-vice-presidente, a “Draft Biden”, acreditava que uma vitória na Carolina do Sul marcaria o “primeiro passo em direção à Casa Branca”.
Sobre a possibilidade de ser demasiado tarde para um eventual ressurgimento, até porque Sanders parece recolher cada vez mais apoios, principalmente junto dos mais novos, Kurth avisou: “Nem todos. Olhe-se para os números, eles não mentem. Estamos sempre a dizer que a participação eleitoral é fundamental, certo? Ele [Sanders] está longe de a garantir. Continua a milhas de gerar o mesmo entusiasmo que conquistámos com o presidente Obama em 2008 e 2012”. No Iowa, New Hampshire, Nevada e Carolina do Sul, a taxa de participação eleitoral ficou muito abaixo da registada naqueles dois ciclos eleitorais.
Desde 1992, com a exceção de John Kerry em 2004, o vencedor na Carolina do Sul acabou por conquistar a nomeação democrata.