Internacional

O impressionante relato de um ex-funcionário da Huawei: uma entrevista que está a dar que falar

Depois de um dos cinco funcionários da Huawei que foram detidos no ano passado acusados de violação de segredos comerciais ter exposto detalhes sobre o caso em publicações que se tornaram virais, outros dos funcionários deu uma entrevista ao “The Guardian” em que falou do plano que havia para denunciar a empresa aos meios de comunicação social devido a violações dos direitos dos trabalhadores antes de os funcionários serem detidos

WANG ZHAO/GETTY IMAGES

Os cinco funcionários da Huawei que foram detidos tinham apenas uma coisa em comum: todos eles faziam parte de um grupo na aplicação chinesa de troca de mensagem WeChat, onde, como provavelmente em qualquer outro grupo de que façam parte pessoas que trabalham juntas, eram feitas queixas e críticas sobre as decisões das chefias, incluindo — e isto já é muito específico deste caso — a de alegadamente discriminar funcionários com idades acima dos 34 anos. As histórias e as decisões questionáveis (ou não tão questionáveis assim por serem óbvias as violações dos direitos dos trabalhadores) eram de facto tantas que dois desses funcionários partilharam no grupo a sua intenção de contar tudo aos meios de comunicação social.

Não o conseguiram fazer imediatamente porque foram detidos, mas fizeram-no mais tarde, ainda que sem grande efeito. A sua detenção coincidiu com a de Meng Wanzhou, diretora financeira da gigante chinesa das telecomunicações e filha do fundador do Huawei Group, no Canadá e apanhou a campanha dos EUA contra a empresa a meio. Portanto, da parte dos meios de comunicação chineses o que houve foi sobretudo silêncio. Mas entretanto o caso começou a ser falado (em grande parte graças ao esforço de um dos cinco funcionários que foi detido, Li Hongyuan, cujas publicações a denunciar o que aconteceu e em que circunstâncias tornaram-se virais na Internet e sobre as quais falaremos mais à frente) e entretanto foi publicada mais uma entrevista pelo “The Guardian” que ajuda a compor a figura.

Outro dos funcionários que foram detidos revela mais pormenores ao “The Guardian”

Ao jornal, Zeng Meng, outro dos funcionários que foi detido, contou que estava na Tailândia em dezembro do ano passado quando foi abordado pela polícia chinesa, que teria vindo de Shenzhen, onde fica a sede da Huawei, tendo sido informado de que era suspeito do crime de violação de segredos comerciais. Acompanhou os polícias chineses e os agentes tailandeses que estavam com estes e, uma semana depois, foi extraditado para a China e detido. Passou os três meses seguintes num centro de detenção em Shenzhen, foi submetido a vários interrogatórios durante os quais lhe foi exigido que confessasse os seus alegados crimes mas sem um advogado da sua confiança por perto (não pôde escolher quem o iria representar em tribunal) Zeng Meng optou por se manter em silêncio. Em março foi libertado mediante o pagamento de uma fiança que ficará saldada em março de 2020.

Do mesmo modo que Zeng Meng não percebeu do que estava a ser acusado em concreto, também Li Hongyuan, de quem aqui já falámos, não o soube quando foi detido. Contar a sua história é como pegar em vários retalhos, isto é, as várias notícias que foram sendo publicadas sobre si, e juntá-los. Funcionário da Huawei durante 12 anos, Li Hongyuan contou ter sido detido depois de exigir à empresa o pagamento de um bónus que lhe era devido. Foi libertado em agosto deste ano, depois de 251 dias na prisão, por não haver provas suficientes contra si, e a necessidade de mostrar alguma decência era tanta que no mês passado o governo chinês pagou-lhe uma indemnização de cerca de 13 mil euros.

“Isto não acontece apenas uma ou duas vezes"

No entanto, o caso estava exposto, e a Huawei, fundada em 1987 por um antigo engenheiro militar e vista como o grande símbolo do sucesso da China e da sua tecnologia ultra-avançada, foi alvo de chorrilho de críticas, inclusive internas. As suas alegadas ligações ao Governo chinês, antes denunciadas apenas pelos EUA, começaram também a ser por equacionadas por pessoas dentro do país. Começaram a circular na Internet publicações jocosas sobre a filha do fundador da Huawei e uma lista com “oito exigências e nem uma menos” em referência às reivindicações do movimento pró-democracia em Hong Kong. Nem mesmo o comunicado que a empresa divulgou a afirmar que respeitava a decisão das autoridades de libertar Li Hongyuan e que se o funcionário “acredita que os seus direitos e interesses foram violados, então deve lutar por defendê-los através dos canais legais, processando inclusive a Huawei”, serviu para distrair os mais críticos.

Para Zeng Meng, as ligações da Huawei ao Governo chinês são mais do que uma suposição ou perceção, são uma certeza, conforme disse ao “Guardian”. “Isto não acontece apenas uma ou duas vezes e estas detenções mostram como as relações entre a Huawei e o governo e a polícia e os tribunais estão bem oleadas. Todos eles podem ser manipulados. Basta a Huawei dizer que esta ou aquela pessoa fizeram algo para a polícia prendê-las.” Zen Meng e Li Hongyuan puderam contar a sua história, mas continua a haver partes em falta por haver ainda um funcionário que fazia parte do tal grupo na aplicação de troca de mensagens que continua detido (o outro assumiu-se culpado).