O CIDADÃOS PROCURA O SEU LUGAR NA POLÍTICA NACIONAL
Somente os resultados nas urnas do próximo domingo, dia 10, vão ser capazes de avaliar a última e radical mudança de estratégia que foi adotada pela direcção do Cidadãos (C’s) para neutralizar a quebra de votos que lhe é augurada por todas as sondagens. Numa tentativa, ao que tudo indica desesperada, de travar essa queda a pique, o líder desta formação, Albert Rivera (39 anos), patrocinou uma viragem de 180 graus nas suas posições programáticas para se apresentar agora como garante de uma possível investidura como presidente do Governo de Pedro Sánchez, que chefia o Partido Socialista Operário Espanhol, (PSOE, centro-esquerda) sem quaisquer contrapartidas.
Nas eleições de 28 de abril passado, o C’s e Rivera mantiveram uma posição inamovível, contrária a facilitar o acesso de Sánchez à chefia de um Executivo estável e duradouro através de uma abstenção acordada. Rivera tornou então célebre a frase “não é não” para definir a sua política.
Os factos demonstraram que essas táticas eram erróneas. Todas as sondagens coincidem em assinalar que o Cidadãos será o grupo político mais prejudicado no iminente confronto eleitoral, devido à fuga para as margens de boa parte dos seus votantes e à indecisão crítica de outra parte, que não será resolvida até ao próprio momento de depositar o boletim na urna.
Nos sufrágios de abril, o partido obteve quase 4,2 milhões de votos, ou seja, 15,86% do total, que se traduziram em 57 assentos parlamentares. As sondagens mais credíveis preveem que no próximo domingo caia para apenas 9,6% dos votos e foqie atrás do Vox (extrema-direita) e do Unidas Podemos (UP, esquerda populista). Poderá dispor apenas de 16 lugares no próximo Congresso dos Deputados. Somente 40% do seu eleitorado permanece fiel à sigla. Os restantes, mais de dois milhões de votos, converteram-se num claríssimo objeto de desejo por parte dos seus competidores. O Partido Popular (PP, centro-direita), o PSOE e até o Vox disputam abertamente esses votantes, que se situam no centro do espectro político.
Durante este verão Rivera refletiu, como o próprio admite, até ficar convencido de que a sua recusa em pactuar com os socialistas não fora acertada. Uma das primeiras figuras do seu círculo a notá-lo foi Manuel Valls, antigo primeiro-ministro francês, nascido em Barcelona, que fora apoiado pelo C’s na sua candidatura à presidência do município da capital catalã, embora logo a seguir as posições de ambos se tenham distanciado até chegarem à rutura. Sobreveio depois uma grave crise interna, motivada pelas mesmas causas, que se traduziu no abandono do partido por dirigentes de primeira linha, como Toni Roldán, diretor do gabinete económico, Xavier Nart, que encabeçava a representação do C’s no Parlamento Europeu, ou Xavier Pericay, um dos fundadores da formação.
Outro desses pais fundadores, o catedrático Francesc de Carreras, pediu dispensa no partido e criticou acidamente num artigo de jornal a deriva de Rivera. Agora, com a mudança de rumo, o líder do Cidadãos aspira a melhorar as previsões das sondagens em quatro pontos a seu favor; em abril já conseguiu algo semelhante: na última semana de campanha logrou recuperar quatro posições nas sondagens.
Foi esta apetência pelas modificações que serviu tradicionalmente de lastro à evolução deste partido, nascido em 2006 a partir de uma associação cívica chamada Cidadãos da Catalunha, que se opunha à então incipiente ocupação dos espaços políticos catalães pelo nacionalismo que exclui.
Rivera, um inquieto advogado que tinha na altura 26 anos, aproximava-se dos postulados da social-democracia, como muitos dos mentores do grupo original. Mas desde então protagonizou reviravoltas espetaculares, que o levaram sucessivamente ao centro-direita mais clássico ou ao liberalismo de manual, como agora. Os votantes do C’s, que haviam contemplado o aparecimento deste partido como um contributo de frescura e autenticidade no contaminado panorama político tradicional, sofreram esses avanços e recuos com desgosto, mas com a convicção de que eles estavam marcados pelo pragmatismo de que Rivera tantas vezes fez gala, e que noutros tempos lhe proporcionaram notáveis benefícios.
Agora decide-se, pois, a facilitar a investidura de Sánchez com uma abstenção ativa não condicionada à formação de Governo. O C’s, adverte Rivera nos comícios, não quer entrar no Executivo e tão-pouco está disposto a subscrever um pacto de governabilidade. “Não me movem os apegos a uma poltrona nem a ambição de um cargo”, disse; deseja que os espanhóis visualizem a intenção do partido a que preside em romper o bloqueio político que conduziu a estas novas eleições (as quartas em quatro anos) e que se considere o Cidadãos um partido de Estado comprometido com o bem-estar e a estabilidade gerais.
Não obstante, Rivera apresentou quatro condições a Sánchez para lhe prestar apoio: rompimento do pacto de Governo que o PSOE mantém em Navarra com o apoio da Bildu (coligação considerada herdeira das posições ideológicas do Batasuna, outrora braço político do grupo terrorista ETA); a formação de uma conferência de partidos para a eventual aplicação do artigo 155 da Constituição na Catalunha, que prevê a suspensão da autonomia naquela região; o compromisso de não promover o indulto dos dirigentes independentistas catalães condenados por sedição e encarcerados pela intentona independentista de outubro de 2017; e um programa económico básico para resolver a desaceleração já evidente na economia espanhola. Tudo isto apresentado em termos de grande flexibilidade.
Agora, à pressa, e utilizando ao máximo os seus muitos recursos de oratória e teatralidade (como os que o levaram a exibir no último debate televisivo uma pedra da calçada semelhante às que os separatistas radicais atiravam à polícia nos recentes distúrbios), Rivera quer apresentar-se como defensor de posições progressistas a que às vezes nem o PSOE chega. Ainda terça-feira, num encontro com simpatizantes na Andaluzia, propôs uma defesa dos direitos do coletivo LGTBI a ter filhos mediante uma lei que regule a maternidade de substituição, da qual Espanha não dispõe, e que Rivera defende. “Há algum direito mais importante para este colectivo do que poder constituir uma família? Iremos ser ultrapassados nisto por Portugal?”, concluiu.